Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

O ENTARDECER

O ENTARDECER

Uma rendição sem luta


É importante enfatizar que a crise grega é a síntese das contradições do capitalismo e do reformismo nesse momento da história. Mas justiça seja feita: a crise não começou com o SYRIZA, a crise é do capital e foi aprofundada pelos governos conservadores precedentes, PASOK, Nova Democracia e outros. Mas a responsabilidade do SYRIZA está justamente em ter enganado o povo, ter realizado promessas que não iria cumprir, ter-se rendido covardemente sem luta, rastejado humilhantemente perante a oligarquia financeira, mesmo quando 61,3% da população em referendo rejeitaram as medidas de austeridade, que agora cinicamente o SYRIZA tenta justificar como se fosse uma fatalidade. Realmente, o memorando acertado por Tsipras é muito mais danoso ao povo grego que os memorandos anteriores e tão humilhante que custa acreditar como um personagem que há pouco era festejado como estrela de primeira grandeza conseguiu se transformar tão rapidamente num anão político. 

É necessário conhecer os pontos fundamentais do acordo para avaliarmos a profundidade do desastre e a incoerência do reformismo. 1) Reforma da Previdência : o governo se comprometeu a reformar a previdência, com aumento da idade da aposentadoria para 67 anos e restrições às chamadas aposentadorias precoces; 2)Reforma Trabalhista : revisão dos acordos de negociação colectiva, greves e demissões em geral e permissão para que o comércio possa abrir aos domingos; 3) Reforma Fiscal : o governo deverá aumentar o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao consumo, bem como a ampliação da base tributária para aumento das receitas. 4) Reforma da Administração Pública : redução nos custos da administração e corte automático dos gastos para se adaptar às metas do superávit primário. O País terá ainda que reformar a justiça civil, de forma a adequá-la às normas europeias e possibilitar o autoresgate dos bancos, preservar a independência do setor de estatística e aprovar leis que também adaptem o sistema bancário ao restante da Europa. 

Há ainda a maior das rendições: a Grécia deverá realizar uma privatização generalizada dos ativos públicos, envolvendo os setores de energia elétrica, transporte, comunicações e até os pontos turísticos como várias ilhas gregas. Esse fundo terá titularidade formal grega, mas será supervisionado pela T roika, O resultado financeiro dessas privatizações será transferido para um fundo de privatizações , com o qual os credores europeus esperam arrecadar 50 mil milhões de euros. Desse total, 75% serão destinados a pagamento da dívida externa e recapitalização dos bancos e apenas 25% poderão ser alocados para investimento interno. Para se uma ideia da monstruosidade dessa medida, basta dizer que as privatizações realizadas anteriormente pelos governos de direita somaram apenas cinco mil milhões de euros.  

Vale ressaltar que os credores, para humilhar ainda mais os líderes do SYRIZA, obrigaram a que o Parlamento grego aprovasse as medidas em tempo recorde (duas rodadas de aprovação já foram realizadas) e exigiram que todas as reformas fossem supervisionadas pela Troika , o que na prática significa que o País está sob a intervenção da oligarquia financeira e se transformou numa espécie de protetorado dessas instituições. Também exigiram a saída do governo do ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, que eles consideravam um negociador difícil, o que também foi aceito por Tsipras; foi substituído por um outro ministro mais palatável. O nível de humilhação foi tamanha que o próprio Varoufakis divulgou o que lhe foi dito por um dos personagens das negociações: "Você pode até ter razão no que fala, mas nós vamos esmagá-los". 

Em outras palavras, o primeiro-ministro grego vergou a espinha, capitulou de maneira indigna, abandonou os compromissos com a população e se transformou num agente consciente da oligarquia financeira contra seu povo. Isso se tornou mais claro com a votação no Parlamento: 229 a favor, 64 contra. Como 38 deputados do SYRIZA votaram contra ou se abstiveram (32 contra, seis abstenções e ainda um deputado faltou à votação), a aprovação do memorando só foi possível porque os partidos de direita socorreram o SYRIZA na sua marcha para a desmoralização. Em outros termos, confluíram para os mesmos objetivos tanto a chamada "esquerda radical" quanto a direita que já tinha implementado os dois memorandos anteriores. 

Dois novos fatos políticos vieram se juntar a essa conjuntura para compor o rápido processo de degeneração do reformismo moderno. O primeiro foi a ação da polícia, sob controle do governo do SYRIZA, que reprimiu brutalmente os manifestantes que protestavam em frente o Parlamento contra a aprovação do memorando, sem ficar nada a dever aos velhos tempos. O segundo é a ação da liderança do SYRIZA: diante do fato de que alguns ministros e altos funcionários do governo votaram contra o memorando, resolveram fazer um expurgo generalizado, afastando do governo todos os ministros e funcionários que se manifestaram contra a capitulação. Essas duas medidas, de um lado, abrem espaços para a implementação de mais concessões e medidas impopulares, bem como deixa o campo aberto para a repressão generalizada que virá em função da indignação da população, que se está sentindo frustrada e traída. 

Mais sobre mim

foto do autor

Arquivo

  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2018
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2017
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2016
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2015
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2014
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub