UM IMPOSTO DEMASIADO PESADO
PARA TODA A VIDA DE UM JOVEM
Como está sendo o processo de formação política dos jovens que estão participando das ocupações militares? Pode-se falar em uma nova geração de militantes, no sentido de um novo tipo de militância?
Silvia Viana – Eles não foram formados politicamente, e aí reside seu segredo. Próxima dos temidos quarenta anos, já posso dizer que tenho um passado, não tanto porque estou ficando velha, muito mais porque aquilo o que me formou politicamente se tornou uma jaula de ferro. Sob o guarda-chuva do socialismo democrático, travávamos nossas disputas colegiais e universitárias com um projeto comum, nós ajudamos a forjá-lo, com a experimentação participativa em projetos sociais nos mais variados campos, como coletivos de diversos formatos, junto a vários movimentos sociais. Dizer que a conquista do poder degenerou tal projeto, ou pior, que fora traído, seria uma banalidade incapaz de ajudar na compreensão de seu ocaso. O fato é que, querendo ou não, construímos uma forma de governar, forma essa que já não faz o menor sentido para aqueles que não criaram o participacionismo, tampouco participaram, ou ainda, estão cansados de participar. Daí seu despudor quando simplesmente descartam o “porém” que nós compulsivamente anexamos à crítica a essa forma de governo. Eles não foram formados e, no entanto, são governados. Não é à toa que quebram a cabeça e, já tantas vezes, se quebram, em sua forma horizontal e autônoma de luta – seu ponto pacífico, embora não pacificado. Tampouco é birra a recusa persistente e aterradora ao chamamento razoável para a conversa, que eles, ao mesmo tempo, exigem. A proposição para a construção paulatina de uma sociedade mais justa parece lhes feder a mofo quando já não é possível futuro algum senão o da queima ritual em mercado. Se a esperança reformista – seja ela hard, seja racionada – já há algum tempo foi substituída por um “segurar as pontas”, porque diabos essas pessoas deveriam acatar a infindável prestação de contas em que se converteu a sociedade?
Trata-se de um descompasso de tempos históricos, mais que geracional: esse fenômeno que não tem nome, mas certamente não é uma “nova militância”, é compreensível, por exemplo, à luz do recente post, no Facebook, da presidenta: “transformamos milhões de pessoas que estavam excluídas em consumidores”. A celebração de uma “cidadania consumidora” como uma conquista preciosa talvez seja o horizonte social mais mesquinho que já se apresentou e, não obstante, trata-se do único. O estranho, portanto, não é que esses trancadores de rua tenham surgido agora, visto terem suas vidas trancafiadas. Estranha, pois radicalmente fora de seu tempo, é a qualidade que lhes foi imputada pela gestora educacional. Assustada ante o deslize sintático do chefe de gabinete, que afirmou: “se sair a reorganização”, ela retrucou: “se sair?”, e cobrou que o decreto fosse imposto imediatamente, pois “O problema é que eles têm esperança [inaudível]…”.