TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA
A Transição Democrática e os Militares em Espanha:
Uma Análise Comparativa Verão 2000 Nº 94 – 2.ª Série pp. 49-69 Felipe Agüero School of International Studies, Universidade de Miami * Intervenção proferida no âmbito do Colóquio “Forças Armadas em Regime Democrático”, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, Fevereiro de 2000.
NAÇÃO EM DEFESA.
A Transição Democrática e os Militares em Espanha: Uma Análise Comparativa. O início da transição da Espanha para a democracia foi convenientemente precedido, um ano antes, da revolução de Abril em Portugal. Enquanto esta última se tornaria conhecida como a revolução que desencadeou a terceira onda de democratização propagada do Sul da Europa à América Latina, ao Centro/Leste da Europa, à União Soviética e a certas regiões da Ásia e da África, a transição espanhola viria a emergir como o modelo a imitar. A bem dizer este modelo surgiu porque, em parte, os agentes políticos e sociais foram influenciados pelo percurso da transição portuguesa. Para todos os intervenientes – funcionários públicos franquistas, ala dura e ala mais liberal do regime e do Estado, dirigentes laborais, partidos políticos – os acontecimentos aparentemente caóticos que ocorreram no país aumentaram a ansiedade e tornaram urgentes estratégias que resultassem de uma aprendizagem com os erros ou, pelo menos com o que fosse considerado como tal. Em particular, o súbito colapso do regime de Caetano às mãos dos oficiais esquerdistas surgiu como um sério aviso aos reformadores franquistas para os perigos da imobilidade e da continuidade. Em parte como resultado desta aprendizagem, mas principalmente em virtude dos factores políticos estruturais que se tinham feito sentir, apesar de tudo, as duas transições acabaram por divergir consideravelmente. O papel que o factor militar teve nestes casos explica, em grande medida, essas diferenças. Todavia, ao fim e ao cabo, ambos os países acabaram por conseguir instaurar sólidas democracias e obter uma supremacia inequívoca sobre os militares, por intermédio de líderes civis democraticamente eleitos, embora a um ritmo diferente e por vias muito variadas.
FIM DO REGIME. A primeira diferença prende-se com a maneira como o regime autoritário terminou em cada país.
A Liberation by golpe (libertação através de golpe) em Portugal, para utilizar a frase da autoria de Philippe C. Schmitter, marcou o colapso do regime e a sua repentina substituição por um outro. Em Espanha, pelo contrário, a morte do Caudilho, muito esperada ou temida, permitiu a continuidade das elites e a mudança de regime através de um processo peculiar que passou de “de la ley a la ley, por la ley” (da lei para a lei, pela lei), inaugurando o conhecido processo da reforma pactuada. A transição através do colapso versus transição a partir do topo, ou por negociação, tornaram-se categorias permanentes que tiveram origem nos processos seguidos por estes dois países vizinhos. Em Portugal, Caetano perdeu a oportunidade que a transição pós Salazar representou, no sentido de uma maior abertura do que a que efectivamente se verificou. Todas as esperanças de reforma caíram rapidamente pela base; o regime autoritário endureceu e com ele a inutilidade das guerras em África. E, precisamente à medida que as esperanças de reforma se desvaneciam, o golpe sem violência de Abril de 1974 punha, de uma vez por todas, cobro ao regime. A ausência de reformas a nível interno precipitou um colapso impelido do exterior que atribuiu aos militares, sobretudo às suas facções de esquerda mais activistas, o principal papel na transição. Em Espanha, pelo contrário, não houve hipóteses de uma tomada de poder reformista pelos militares. Ninguém duvidava de que a transição em Espanha começaria logo que Franco desaparecesse. Este acontecimento, que não era difícil de prever, tinha permitido que a todas as forças, a favor ou contra a reforma, ou defensoras de diversos tipos de reforma, se preparassem devidamente. Também o regime se tinha antecipado na organização da sua própria continuidade institucional e legal. Juan Carlos assumiria a chefia do Estado como Rei. Embora a morte do Franco fosse esperada, tal como a Felipe Agüero 2 Powell, Charles T. El Piloto del Cambio, : Na forma da sua sucessão, existiam muitas incertezas quanto às orientações que a monarquia e os seus governos viriam a seguir.
Os militares espanhóis eram responsáveis por muitas destas incertezas, já que, muito provavelmente, os ventos da reforma que frequentemente sopravam da residência do Rei iriam encontrar uma firme oposição por parte das Forças Armadas.