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O ENTARDECER

O ENTARDECER

TEMPO DE ESCOLHA

António Barreto. Este é um tempo de crise ou um tempo de mudança?

04 Novembro 2017 1.050
 

"Tempo de Escolha" é o novo livro de António Barreto. O Observador faz a publicação de um excerto do prefácio, no qual o autor mostra uma visão preocupada sobre a actualidade em Portugal e no mundo.

Este é o mais recente livro de António Barreto, que reúne artigos publicados no Diário de Notícias entre 2015 e 2017 e entrevistas feitas entre 2012 e 2017. O Observador publica um excerto do prefácio no qual o autor apresenta uma visão preocupada sobre a actualidade social, económica e política, em Portugal, na Europa e no mundo.

“Tempo de Escolha”, de António Barreto (Relógio d’Água)

“É um tempo sombrio, cuja definição é difícil. Será crepuscular e decadente? Ou será uma crise de transformação, uma metamorfose? Ou um pouco dos dois? Estes dois anos, com uma extraordinária sucessão de eleições e referendos (Áustria, Itália, Espanha, Grã-Bretanha, França, República Checa e Alemanha, aos quais se deveriam acrescentar, por razões óbvias, os Estados Unidos da América), estão a definir o futuro da União, da Europa e do Ocidente. É patente a enorme dificuldade em reorganizar uma União que consiga evitar o agravamento da crise actual e que seja capaz de assegurar a igualdade entre Estados e nações, quando a desigualdade é crescente e a Alemanha, quarta potência económica do mundo, consolida a sua hegemonia.

À diferença entre Estados é ainda necessário acrescentar a desigualdade social e económica a crescer em quase todos os países ocidentais, mesmo se todos os grupos e classes conhecem melhoramentos da sua condição. Os países ricos e os ricos de todos os países vêem as suas fortunas aumentar quase sem limites, o que, graças ao trabalho, à inteligência e ao esforço, pode ser justo, mas que se traduz frequentemente numa atitude de desdém pelos menos ricos, os remediados, os pobres e os miseráveis. Se é verdade que as desigualdades podem ser motores da História e do progresso, não é menos certo que também podem ser a causa da explosão social. A União Europeia tem diante de si dilemas impossíveis. Tem de escolher entre a igualdade e a hegemonia. Como tem de decidir entre a coesão e a fragmentação. Só se salvará se escolher o mais difícil: a flexibilidade.

Uma Europa que tentou garantir a uniformidade e a coesão não soube garantir a diversidade e a flexibilidade. O mito da igualdade a todo o preço ruiu, quando percebemos que a uniformidade com assimetria é mais violenta para os mais pobres e os mais fracos. Ao querer forjar uma igualdade artificial, a União expôs as fragilidades de vários países e várias regiões, levando a situações quase dramáticas.

Pertencer à União, mesmo com as dificuldades que esta atravessa, é mais uma maneira de eventualmente contribuir para o seu melhoramento. Não para a sua dissolução ou para o abandono, como pretendem os nacionalistas de direita e de esquerda. Mas para o seu melhoramento. Por isso é importante estar dentro e ter algo a dizer.

Portugal partilha todas estas preocupações, faz parte dos problemas e bom seria que também fizesse parte das soluções. Ou pelo menos que fizesse ouvir os seus interesses nas soluções europeias. Continuo convencido de que é vantajoso para Portugal permanecer na União e manter o Euro. Não tenho a certeza de ambas as hipóteses. Até porque as questões económicas e financeiras ganharam uma tal complexidade e dependem de tantas circunstâncias internacionais, que uma opinião firme pode ser simplesmente crença teimosa. Mas parece-me que uma saída de Portugal do Euro seria, pelas consequências comerciais e sociais, pela incerteza e pela imprevisibilidade, um desastre económico. Mais ainda, uma saída da União seria dramática. A ideia de que não existe alternativa é evidentemente errada. Trata-se em geral de postulado inventado por quem defende um ponto de vista e não quer encarar a hipótese de outros pensarem de modo diferente. Existem alternativas à União Europeia. E, se fosse necessário, Portugal encontraria caminho alternativo. Mas, com o que se sabe hoje, esse caminho traria mais pobreza, mais incerteza e menos liberdade. Pertencer à União, mesmo com as dificuldades que esta atravessa, é mais uma maneira de eventualmente contribuir para o seu melhoramento. Não para a sua dissolução ou para o abandono, como pretendem os nacionalistas de direita e de esquerda. Mas para o seu melhoramento. Por isso é importante estar dentro e ter algo a dizer.

Ter uma voz na Europa transformou‑se numa esperança de todos, dos que querem essa voz para melhorar a nossa posição ou para diminuir os inconvenientes da integração, mas também dos que a querem para contrariar tudo quanto a União é e representa. “Ter uma voz na Europa” parece ser hoje um fenómeno de pensamento mágico: basta falar com a voz grossa! Basta falar alto com a Europa e as potências europeias, dizem uns! O que é preciso é dar um murro na mesa, afirmam outros! É preciso dizer não em voz alta e bom‑tom, garantem todos! Parece que, se Portugal fizer estas piruetas junto de Bruxelas, na Alemanha ou no FMI, venceremos! Esta espécie de voluntarismo adolescente é totalmente inútil, tem efeitos exclusivamente retóricos, alegra o eleitorado, contenta os fãs e inquieta todos os outros. Sendo certo que a submissão e a tibieza nunca são boas, a verdade é que a voz grossa não substitui o trabalho de casa, o pagamento das dívidas, a organização económica, a paz social, o apoio da população e a qualidade da sociedade em que se vive! Os Portugueses têm escolhas, mas estas não são entre a voz grossa e a voz fina! São entre cumprir os seus deveres ou não, governar com decência ou não, combater a corrupção ou não! Os Portugueses não podem escolher entre a tempestade e o bom tempo, mas podem, isso sim, em caso de tempestade, escolher quem os dirige, quem os pode orientar e ajudar a atravessar a tempestade. Podem escolher a frota, os navegantes e a rota. Mas têm de estar preparados para a borrasca.

Tanto em Portugal como na Europa e no resto do mundo, estes dois anos (o tempo destes artigos aqui coligidos) foram particularmente ricos em acontecimentos, bons e maus. Os maus são tantos e tão medonhos que quase nos habituámos, naquela que é uma real perversão da natureza humana: acostumámo‑nos ao horror, já não temos sensibilidade ao sofrimento e até somos capazes de pensar que a violência tem qualidades estéticas! As guerras no Próximo Oriente, os caudais de refugiados e de miseráveis que atravessam ou morrem no Mediterrâneo e o terrorismo islâmico por todo o sítio foram constantes neste tão curto período. Ofereceram‑nos imagens e relatos de arrepiar, como as cidades destruídas de Mossul ou de Alepo, os adolescentes assassinados numa sala de concertos em Manchester ou os barcos preparados para fazer flutuar e de vez em quando afundar milhares de refugiados, de modo a desencadear emoções e solidariedade..........

 

 

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