PESADELO
Uma funcionária das nações unidas refere-se a uma investigação feita pela America´s Watch, à qual teve acesso, sobre o tema das violações e raptos de mulheres cometidos em Bagdad desde que se instalou a anarquia, a 9 de Abril. Este é um tema tabu porque, para a moral tradicional, uma mulher violada é na sociedade iraquiana uma afronta que desonra toda a sua família e, em vez de compaixão e solidariedade, merece repúdio e ódio. A mulher já sabe que a sua vida terminou, que nunca contrairá matrimónio, e que na sua própria casa será objecto de exclusão e de escárnio. Para lavar a afronta, não é raro que o pai ou algum dos irmãos, a mate. A justiça foi sempre branda com estes «assassínios cometidos para lavar a honra» medievais, e os seus autores recebiam sentenças simbólicas, de testemunhos de meninas, jovens e mulheres sequestradas e violadas em Bagdad pelos foragidos e que, por razões óbvias, resistem a denunciar o crime de que foram vítimas. Não apenas porque agora não há policias e tribunais que funcionem, como também, porque, mesmo quando os houver, os trâmites e humilhações infinitas que tiveram de sofrer as heróicas mulheres que se atreveram a fazê-lo no passado, não tiveram qualquer resultado prático. Apenas as expuseram ao desdém e aos vexames da opinião pública e à hostilidade ainda maior da própria família. Por isso, segundo o relatório da America´s Watch, as meninas e mulheres violsadas tentam desesperadamente ocultar o que lhes aconteceu, envergonhadas e com remorsos, como se, com efeito, fossem elas as únicas culpadas da sua desgraça. Agora compreendo melhor porque, às portas da Universidade de Bagdad que visitei ontem, havia tsantas mães de família esperando as suas filhas para as levar para casa, como se fossem criancinhas de infantário. O Iraque que hoje podemos ver é um país reduzido a escombros e nada tem de semelhante com o outro Iraque dos anos setenta, quando era um dos países mais desenvolvidos da região e um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Este é pois o legado que a governação de Saddam Hussein deixa ao seu país e ao seu povo, mas o pior ainda está para vir.