O Senhor Martinho
O senhor Martinho como podia ser Maurício ou Malaquias. Falo de um senhor bom, que serve a sociedade desinteressadamente. A todos estes senhores o meu profundo respeito. Que Deus os abençoe. São homens assim que dão sentido à vida! E a vida, só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida, olhando-se adiante.
Olhando-se a partir de hoje, sente-se o Outono a chegar. Com ele, as vinhas pedem-nos a vindima, cheira a chuva e ao perigo da dizimação do belo néctar das uvas! São as vinhas do Senhor narradas no evangelho. É o agricultor que, aflito, desce ao terreiro para contratar homens para a colheita. Estavam lá dez que logo foram contratados. O soldo oferecido foi alto. Com o sol a nascer começaram a faina. O agricultor em cada duas horas voltava ao terreiro, para levar mais trabalhadores. Lá foram 4 ou 5 de cada vez, até ao fim do dia. Sol-posto chegado, o capataz começou a fazer o pagamento. Os primeiros 10 receberam o dinheiro combinado para sol a sol. Os outros receberam igual. Aqueles que tinham feito todo o tempo de trabalho sentiram-se prejudicados. Daqui nasceu o abismo entre o julgamento divino e o julgamento humano! Para Deus aquele dia de trabalho, mais não era que um micro segundo da existência eterna! Para os trabalhadores era um dia sofrido de trabalho!
É a eterna história de nós julgarmos que a chuva que Deus nos dá é de graça! Esquecendo-nos que o Senhor ao dar a água não dá os canos. Cada vez mais caros.
Vamos, então, julgar o estimável desempenho do senhor Martinho, com outros casos que fazem parte da história recente da nossa freguesia.
Abordemos a rápida proliferação de barracas em Queijas, nomeadamente a partir dos anos sessenta, do século XX:
Como causas maiores estavam na sua origem, a vinda de muitas pessoas da província para a Grande Lisboa à procura de emprego, que a industrialização e construção civil ofereciam, embora, com salários pouco compensadores.
Em consequência do mesmo facto, as rendas a pagar por apartamento em Lisboa, tinham subido a preços incomportáveis para a maioria das pessoas recém- empregadas e ainda por cima, desenraizadas.
A solução foi, sem alternativa, a procura de casa na chamada periferia da capital para muitos, e também para muitos outros, o recurso aos bairros de barracas em terrenos do alheio, mas por vezes de aluguer.
Foi isto que aconteceu em Queijas, como de resto em muitos outros lugares dos arredores da cidade de Lisboa. Todo o panorama se viria a agravar, muitíssimo, com o decorrer dos anos, nomeadamente depois da descolonização, posterior ao 25 de Abril de 1974. Não foram só os portugueses a regressar a Portugal, vindos de todas as ex-colónias, como milhares de pessoas que eram naturais daquelas colónias, que hoje são países independentes. Dos bairros de barracas de Queijas, Linda - a - Pastora e Senhora da Rocha, poderei dizer alguma coisa, porque os visitei várias vezes e, até lá convivi com os seus habitantes. Atendi diariamente os seus lamentos! Até lhes entregar umas chaves que nunca tinham tido! Da casa prometida e merecida.
Assim, tanto os Taludes de Queijas como o Beco dos Pombais, Eira - Velha e Atrás dos Verdes, em Linda - a - Pastora, mais a Senhora da Rocha, poderemos dizer, que descrever a realidade vivida nos bairros de barracas, não é tarefa fácil, dada a grande complexidade e promiscuidade que eles envolviam.
Uma existência sem um mínimo de dignidade, sem água, sem luz, sem condições mínimas de higiene, promiscuidade em família e com os vizinhos, etc.
Estas manchas de vergonha humana, estão hoje desaparecidas, e dizia eu então: darão lugar, bem espero a jardins, a espaços de lazer, quem sabe, de inspiração, nesta terra de poetas.
Apagar da paisagem uma casa degradada, é acender uma vela de esperança, no seio de uma família, na mão de uma criança, substituir um bairro degradado por um jardim é um poema de fé.
Quando assim acontece, quando seis bairros degradados desaparecem, como que por encanto, do habitat duma freguesia, não temos senão que nos regozijar.
Que melhor maneira teria esta Freguesia de celebrar o Jubileu de 2000, do que a de extinguir o vitupério e vitoriar a solidariedade. Em nome da dignidade humana, Queijas pode hoje aspirar a ser Vila; sê-lo-á então, como noiva imaculada e radiosa. E Queijas também foi vila em 2001!
António Reis Luz