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O ENTARDECER

O ENTARDECER

O DESENRASCANÇO

 

 

Portugal é o país do deixa andar, do bota-abaixo, do deixa para amanhã o que podes fazer hoje, do desenrasca, do medo e também da corrupção.

É ao mesmo tempo o Quinto Império e "os cafres da Europa" no dizer de Padre António Vieira. Os portugueses "são excessivamente sentimentais, com horror à disciplina, individualistas, talvez sem darem por isso, falhos de espírito de continuidade e de tenacidade na acção" - a descrição é de 1938 e pertence a Salazar.

Em 2011, como somos? Barry Hatton tira-nos as medidas no livro “Os Portugueses”.

"Quanto mais lá vou, mais quero lá voltar”. Somos hospitaleiros por natureza.

No que se referente ao Zé Povinho descrevem os portugueses como sendo simultaneamente "amistosos e irascíveis, deferentes e indómitos, apáticos e humildes, duros e ousados, compassivos mas irados, submissos e belicosos, sempre à espera que a sorte lhes sorria, boa companhia, conciliadores, diplomáticos, efusivos, espontâneos".

O Zé Povinho sintetiza essa personagem portuguesa, com todos esses adjectivos, numa contradição enorme.

É uma figura que tem cerca de 100 anos, é rústico e boçal. Sobretudo nesta fase pós-Europa e pós-revolução, queremos acreditar que evoluímos a partir dela.

Júlio César disse: "É um povo muito estranho, que não se governa nem se deixa governar." Hoje em dia um político diria a mesma coisa. Há muita coisa que vem de trás. Durante os Descobrimentos, os portugueses agruparam-se à volta do Estado - continua a ser assim. Adoram o Estado. É um traço amor-ódio.

Isso é uma visão catastrofista, não do que são os portugueses, mas do futuro dos portugueses. Se é assim há 600 anos, significa que não temos emenda.

Falando de uma coisa actual, da crise e do resgate financeiro: estas medidas são como um penso rápido numa perna partida, como se diz em inglês. Se Portugal quer mudar mesmo, vai ter de mudar a sua maneira de viver. Isto vai levar gerações, não vai mudar com um acordo com o FMI e Zona Euro. Situemo-nos na capacidade criativa dos portugueses e relembremos como os artífices do défice orçamental chegaram primeiro a 2,1% do PIB, para atingirem agora os 2% do PIB. Para trás ficaram investimentos orçamentais importantes por fazer, ficaram perdões fiscais, pagamentos em atraso, dívidas por receber e o mais que a Dr.ª Teodora sabe!

Mudar a maneira de viver, quer dizer implementar reformas de fundo? Dizer a verdade do estado financeiro de 2011?

Nem pouco mais ou menos. É preferível dizer que tudo estava mal por causa do “Governo Anterior”! Seremos capazes de tudo, menos de fazer reformas de fundo! Bem sabemos que das coisas que se mudam hoje, só conseguimos ver os efeitos daqui a um ou dois mandatos. A dívida externa, contínua a subir, cada vez mais! E quanto mais se paga, mais se está a dever …..

Se quiserem, vou-me embora, vou para outro país [riso].) Por outro lado, esta geração que cresceu com a União Europeia, que viaja, que tem contacto com a Internet, com os outros países, tem outras comparações para fazer (como se viu com os protestos da "geração à rasca").

As reformas de fundo poderiam ajudar a destapar os portugueses, que estão muito abafados pelas estruturas rígidas da sociedade. É um florescer que vem com o tempo, não vai ser de um dia para o outro.

Os portugueses têm imensas qualidades, embora os portugueses não acreditem isso. Como o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse no ano passado: "Só oiço dizer mal de Portugal em Portugal." Boaventura Sousa Santos, num livro sobre a autoflagelação dos portugueses, fala de uma má consciência por causa da passividade, que todos reconhecem, mas não conseguem mudar.

Raramente os portugueses dizem:

"A culpa é minha e a responsabilidade é minha."

Fernando Pessoa diz que, num grupo de cinco portugueses, o culpado é sempre o sexto.

Somos muito bons críticos de nós mesmos. Eça de Queirós é o exemplo acabado de como é possível, e de forma contundente, arrasar o portuguesinho.

Há muito pouca entrega democrática. José Gil fala da "não inscrição", de as pessoas, não participarem.

"Medo", palavra crucial. Não por acaso, do livro de José Gil em que se fala da "não-inscrição" tem por título Portugal, o Medo de Existir.

É outra coisa que vem de trás. As pessoas pensam que a democracia é só ir votar de dois em dois anos - não é nada disso. As pessoas não vêem solução através da sua participação democrática.

Medo de quê?

Medo de ser mal visto, de fazer figura de parvo. Uma pessoa levanta a voz e pensa que vai ser ridicularizada. Medo de ser castigado. Aos olhos dos portugueses, o poder está cá em cima, eles estão cá em baixo. As pessoas pensam que têm alguma influência, em nada. O medo vem de trás, da ditadura ("é melhor ficar caladinho, está mal mas ainda pode ficar pior"). Nos inquéritos de opinião os portugueses dizem sempre que a maior preocupação deles é ter emprego. Mesmo quando recebem o salário mínimo, pouco mais de 500 euros por mês. É a sua mentalidade: "Tenho pouco, mas pelo menos tenho isto."

Os portugueses conseguem, mas não acreditam que conseguem.

Temos uma baixa auto-estima. Num texto de Antero de Quental, que se refere a um período muito anterior, o diagnóstico que faz do país poderia ser feito em relação aos nossos dias.

Discurso do Declínio dos Povos Ibéricos. Antero foi buscar as raízes do problema muito lá atrás. Fala da Inquisição, do poder da Igreja Católica. Do "conservadorismo religioso instalado pela Contra-Reforma, que sufocou o pensamento inventivo nos países católicos como Portugal". Ele é muito mais eloquente que eu! Esse discurso é brilhante.

 Antero fala de uma centralidade "imposta por períodos de governo absoluto, que encorajou a submissão e a resignação". Uma grossa parte dos portugueses continua a viver da relação com o Estado, submissos e resignados.

Antero aponta uma terceira razão para o declínio. "O sistema económico gerado pela era dos Descobrimentos, de intoxicante abundância, que afastou os portugueses de uma gestão financeira prudente e de um trabalho honesto."

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