No Rio das Lavadeiras
Os ares eram lavados, a água cristalina, a várzea agricultada, as antigas azenhas e moinhos de vento, estes empoleirados nas cumeeiras e encostas marginais, constituíam as ancestrais marcas que caracterizavam o bucólico e atractivo vale da ribeira do Jamor, até quase ao termo da primeira metade do século XX. Depois, a avassaladora onda de expansão urbanística quebrou o sortilégio paisagístico, poluiu a ribeira, desfez equilíbrios naturais. E perdeu-se um dos mais cantados "recantos" do concelho de Oeiras.
Uma referência era pois a ribeira do Jamor, ainda é comum encontrarem-se muitos avós em Queijas e Linda - a - Pastora, que nadaram neste percurso de água hoje muito debilitado.
Será certamente com muita emoção para eles, lerem a descrição que o jornalista Rocha Martins dele fez ;
"O Jamor é um ribeiro torcicolante desde Belas, formam-no dois riachos e, passando por Queluz e na baixa de Carenque, saltita nas pedras, ora alastra e empoça, ora se aprofunda e adelgaça , tendo largueza junto a S. Romão de Carnaxide, onde se miram em suas águas árvores verdes, moitedos de silvas e abrunhais bravos. Durante três léguas, brinca e gorgoleja, ruge nos invernos; pacifica-se nos verões e vai ligar-se ao Tejo, na Cruz Quebrada, já sem rumores, anémico, cansado. Teve, por vizinhança, reais velas brancas de Moinhos, pegureiros e princesas, paços e lugarejos de nomes lendários - a Ninha - a - Pastora, a Ninha - a - Velha, - viu mendigos e milagres."
Mas também, em 1945, José Dias Sanches ( Olisipo , n.º 32) ainda assinalava : " (... ) o rio Jamor , o rio das lavadeiras, o rio campesino serpenteando as viçosas hortas e os verdejantes pomares".
Referenciando a ligação histórica do Jamor às lavadeiras, Branca de Gonta Colaço e Maria Archer, nas " Memórias da Linha de Cascais" ( 1943), por duas vezes sita : " o rio de lavadeiras" em vez de lhe chamar somente a ribeira do Jamor.
Ao lado deste rio nunca deixou de estar a povoação de Linda - a - Pastora, que ninguém terá descrito tão bem como Almeida Garrett no seu livro "Romanceiro" III ;
" Já me eram familiares aqueles sítios; mas posso dizer que não os conheci bem e como eles são deveras, senão quando, haverá hoje três anos, ali fui um dia primeiro de Maio.
Fui, como de maravilha em maravilha, por todos os pontos que tenho nomeado; mas chegando à ribeira do Jamor, parei extasiado no meio de sua ponte, porque a várzea que daí se estende, recurvando-se pela direita para Carnaxide, e os montes que a abrigam em derredor, estava tudo de uma beleza que verdadeiramente fascinava. O trigo verde e viçoso ondeava com a viração desde as veigas que rega o Jamor, até aos altos onde velejam centenares de moinhos. Arvores grandes e belas, como rara vez se encontram nesta província dendoclasta, rodeavam melancolicamente, no mais fundo do vale, a velha mansão do Rodízio. E lá, em perspectiva, no fundo do quadro, uma aldeia Suiça com suas casinhas brancas, suas ruas em socalcos, seu presbitério ornado de um ramalhete de faias; grandes massas de basalto negro pelo meio de tudo isto, parreirais, jardinzitos quase pêncis, e uma graça, uma simplicidade alpina, um sabor de campo, um cheiro de montanha, como é difícil de encontrar tão perto de uma grande capital.
O lugarejo é bem conhecido de nome e fama, chama-se Linda - a - Pastora Porquê ? Não sei. Têm - me jurado antiquários de «meia tigela» que o seu nome verdadeiro é Niña - a - Pastora. Mas enquanto não achar algum de «tigela inteira» que me saiba dar razão por que se havia de chamar assim, meio em português meio em castelhano, um aldeote de ao pé de Lisboa hei - de chamar-lhe eu, como os seus habitantes e toda a gente diz : Linda - a - Pastora.
Será desses nomes lendários, que a seguir falaremos também de bonitas lendas dum passado, que começa a ficar deveras longe :