Militares castigados
O sangue derramado não seria suficiente para Salazar escrever a sua narrativa. Recorre à mentira. Em Lisboa, os jornais dão conta da morte de mais de mil portugueses. Os títulos galvanizam a opinião pública em torno do regime mas deixam milhares de famílias de coração nas mãos. Estas só saberiam do destino dos seus filhos meses depois. Os militares portugueses foram aprisionados em campos de concentração indianos. No outro lado do Índico, Portugal retaliava com a detenção de 12.000 indianos em Moçambique. A troca dos reféns acontece a partir de Maio de 1962. O regresso a Lisboa é discreto e inglório. Desembarcam sob a mira das armas da Polícia Militar, são colocados em comboios e encaminhados para as respectivas unidades mobilizadoras. Só depois voltam a casa, cinco meses após a notícia de uma possível morte em terra distante. Dez oficiais do Exército seriam demitidos, cinco reformados compulsivamente e nove suspensos por seis meses.
Goa seria rapidamente esquecida perante o agravamento do conflito em África. Os 463 anos de domínio português na Índia terminariam como uma nota menor da história do Estado Novo, cumpre-se este domingo 50 anos.
(fim)
Após ler este texto, o meu amigo J escreveu o seguinte:
“Sobre a detenção de cidadãos indianos residentes em Moçambique, era miúdo mas recordo-me terem sido utilizados, na Beira, uns grandes armazéns, na zona do Maquinino, para albergar as famílias detidas, presumo que a aguardar transporte para a Índia. Os meus colegas de carteira na escola primária não abrangidos pela medida provavelmente ou seriam cidadãos de origem paquistanesa, ou possuíam a cidadania portuguesa.
Muitos anos depois, um colega hindu referia-se com certa animosidade aos grandes comerciantes de origem paquistanesa que, na Beira, haviam florescido com a saída de muitos dos hindus, adoptando até uma postura de subserviência e vassalagem para com o regime português.
Por altura da independência de Moçambique, um acérrimo
anticolonialista, de origem goesa, que nas páginas da imprensa diária se evidenciava por uma desmesurada militância em prol do novo regime, fizera questão de guardar num fundo de uma mala em casa, a bandeira portuguesa pois, como dizia a família, a amarga experiência vivida na Índia portuguesa ainda pesava no coração.”