Linda-a-Pastora, Lugar
Edificada nos socalcos da encosta de um monte elevado e pedregoso, a povoação situada no extremo Sudeste da freguesia de Queijas surge ao visitante como um reduto da pacatez perdida noutros lugares.
Entra-se ali pela Avenida Tomás Ribeiro, de onde é possível admirar a fabulosa perspectiva do concelho, enquadrada pelos sempre múltiplos azuis do céu, por um lado, e do rio Tejo, por outro.
Descobrem- Heranças de lavoura e poesia
se os recantos bucólicos, evocando uma vivência campestre ainda muito presente nos detalhes. Junto à igreja, por exemplo, ladeado por canteiros onde florescem enormes jarros plantados por algum morador, o fontanário, animado por singular obra de azulejaria, retracta um animal alimentando-se nos campos, rodeado de árvores, enquanto lá ao fundo se imaginam as velas de um moinho, girando ao sabor dos ventos.
Um bonito fontanário
ali ao lado, uma mesa e dois bancos em madeira, muitas buganvílias dependuradas na muralha e um pequeno jardim em frente, constituem um dos vários locais que em Linda-a-Pastora convidam ao descanso e à reflexão, e para tal a Junta de Freguesia se empenhou em todos os aspetos.
Não terá sido, por certo, obra do acaso, que nesta terra de tranquilidade inspiradora, tenha passado longos períodos da sua vida Cesário Verde.
O poeta que, à semelhança da tal linda pastora, constitui figura de referência para as gentes da terra.
A água que lá corre, de óptima qualidade, dizem que vem dos lados de Queijas, do seu subsolo.
Em tempo de corte no abastecimento público do precioso líquido, é de lá que as populações de Queijas e Linda a Pastora se socorrem para os gastos mínimos.
Durante centenas de anos Linda - a - Pastora foi a segunda maior localidade, a primeira era Carnaxide, da enorme freguesia com este nome.
Dos registos de censos efectuados, temos o primeiro dos anos de 1755, que refere ter esta terra, setenta e tantos habitantes, enquanto Carnaxide teria oitenta e tantos. Depois temos o de 1865 com 403 e Carnaxide com mais três habitantes.
A partir do século XX, começa a dar-se uma inversão e Carnaxide cresce muito em habitantes, por exemplo em 1969 em que Linda - a - Pastora tem 860 e Carnaxide 1278. Neste ano Queijas já apresenta 1076 habitantes e Algés (20948), Dafundo/Cruz Quebrada (8770) e Linda - a - Velha (7196) tornam-se as maiores localidades da freguesia..
A partir deste momento a tendência foi para a estagnação ou lenta evolução do número de habitantes em Linda - a - Pastora, tendo a auto-estrada do Estádio Nacional, de algum modo, emparedado esta terra em relação ao rio Jamor e às terras, dos belos pomares da sua margem direita.
No Rio das Lavadeiras
Os ares eram lavados, a água cristalina, a várzea agricultada, as antigas azenhas e moinhos de vento, estes empoleirados nas cumeeiras e encostas marginais, constituíam as ancestrais marcas que caracterizavam o bucólico e atractivo vale da ribeira do Jamor, até quase ao termo da primeira metade do século XX. Depois, a avassaladora onda de expansão urbanística quebrou o sortilégio paisagístico, poluiu a ribeira, desfez equilíbrios naturais. E perdeu-se um dos mais cantados "recantos" do concelho de Oeiras.
Uma referência era pois a ribeira do Jamor, ainda é comum encontrarem-se muitos avós em Queijas e Linda - a - Pastora, que nadaram neste percurso de água hoje muito debilitado.
Será certamente com muita emoção para eles, lerem a descrição que o jornalista Rocha Martins dele fez ;
"O Jamor é um ribeiro torcicolante desde Belas, formam-no dois riachos e, passando por Queluz e na baixa de Carenque, saltita nas pedras, ora alastra e empoça, ora se aprofunda e adelgaça , tendo largueza junto a S. Romão de Carnaxide, onde se miram em suas águas árvores verdes, moitedos de silvas e abrunhais bravos. Durante três léguas, brinca e gorgoleja, ruge nos invernos; pacifica-se nos verões e vai ligar-se ao Tejo, na Cruz Quebrada, já sem rumores, anémico, cansado. Teve, por vizinhança, reais velas brancas de Moinhos, pegureiros e princesas, paços e lugarejos de nomes lendários - a Ninha - a - Pastora, a Ninha - a - Velha, - viu mendigos e milagres."
Mas também, em 1945, José Dias Sanches ( Olisipo , n.º 32) ainda assinalava : " (... ) o rio Jamor , o rio das lavadeiras, o rio campesino serpenteando as viçosas hortas e os verdejantes pomares".
Referenciando a ligação histórica do Jamor às lavadeiras, Branca de Gonta Colaço e Maria Archer, nas " Memórias da Linha de Cascais" ( 1943), por duas vezes sita : " o rio de lavadeiras" em vez de lhe chamar somente a ribeira do Jamor.
Ao lado deste rio nunca deixou de estar a povoação de Linda - a - Pastora, que ninguém terá descrito tão bem como Almeida Garrett no seu livro "Romanceiro" III ;
" Já me eram familiares aqueles sítios; mas posso dizer que não os conheci bem e como eles são deveras, senão quando, haverá hoje três anos, ali fui um dia primeiro de Maio.
Fui, como de maravilha em maravilha, por todos os pontos que tenho nomeado; mas chegando à ribeira do Jamor, parei extasiado no meio de sua ponte, porque a várzea que daí se estende, recurvando-se pela direita para Carnaxide, e os montes que a abrigam em derredor, estava tudo de uma beleza que verdadeiramente fascinava. O trigo verde e viçoso ondeava com a viração desde as veigas que rega o Jamor, até aos altos onde velejam centenares de moinhos. Arvores grandes e belas, como rara vez se encontram nesta província dendoclasta, rodeavam melancolicamente, no mais fundo do vale, a velha mansão do Rodízio. E lá, em perspectiva, no fundo do quadro, uma aldeia Suiça com suas casinhas brancas, suas ruas em socalcos, seu presbitério ornado de um ramalhete de faias; grandes massas de basalto negro pelo meio de tudo isto, parreirais, jardinzitos quase pêncis, e uma graça, uma simplicidade alpina, um sabor de campo, um cheiro de montanha, como é difícil de encontrar tão perto de uma grande capital.
O lugarejo é bem conhecido de nome e fama, chama-se Linda - a - Pastora Porquê ? Não sei. Têm - me jurado antiquários de «meia tigela» que o seu nome verdadeiro é Niña - a - Pastora. Mas enquanto não achar algum de «tigela inteira» que me saiba dar razão por que se havia de chamar assim, meio em português meio em castelhano, um aldeote de ao pé de Lisboa hei - de chamar-lhe eu, como os seus habitantes e toda a gente diz : Linda - a - Pastora.
Será desses nomes lendários, que a seguir falaremos também de bonitas lendas dum passado, que começa a ficar deveras longe :
As lavadeiras
constituíam a ocupação mais numerosa no século XX, ocupando pessoas de qualquer dos sexos na antiga freguesia de Carnaxide.
O levantamento eclesiástico de 1865 ( P.e Francisco da Silva Figueira, " Os primeiros Trabalhos Literários" ) dá - nos conta da existência do total de 191 (?), assim sendo distribuídas: Carnaxide, 43; Linda-a-Pastora,44; Linda- a - Velha, 14; Outurela, 12; Portela, 2 ; Algés, 40 ; Praias, 10; Queijas, 16 ; e dispersas, 10.
Para se ter a noção do peso desta ocupação, convirá dizer que, logo a seguir, surgem as criadas de servir, em número de 36, e as costureiras, com 20. Entre os homens a profissão que envolvia mais pessoas era a de trabalhador da lavoura - 108.
Embora mal remunerado, o trabalho da lavadeira constituía uma ajuda importante para as parcas posses dos agregados familiares . Daí o elevado número de mulheres que, em toda a cintura saloia de Lisboa, se ocupava nesta tarefa, desde a juventude até à velhice. E assim. era vê-las, todas as segundas- feiras, estrada fora, a caminho da capital, em cortejo, escarranchadas na albarda do burro ou de carroça, entre trouxas, a fim de devolver às clientes a roupa já lavada - bem branca pela acção do sol e cheirosa pelos odores silvestres de onde fora depositada a corar.
Regressavam já tarde ou no dia seguinte, ajoujadas de entre trouxas, agora de roupa suja que a água do Jamor e a força dos seus braços branqueariam. Aproveitavam e vendiam às clientes ovos e queijos frescos que também levavam, com essa intenção. No regresso traziam mais uns cobres que muito ajudavam a saciar as dificuldades caseiras.
Este trabalho era pesado e pernicioso para a saúde. Mas a necessidade a tal obrigava. Há séculos que o saloio desempenhava.
Outro fontanário, outros tempos.....
neste lugar que serviu de inspiração a vários poetas, como uma espécie de retiro espiritual, surge associada uma outra figura, tão ou mais poética, tão ou mais romântica.
A jovem pastora é retractada com seu rebanho nos azulejos de outro fontanário, situado ao lado da avenida Tomás Ribeiro, em Linda - a - Pastora.
Hoje alindado, feito jardinzinho e em simultâneo miradoiro, e que também vai servindo de local para descanso de gente mais cansada ou pensativa.
Sobre esta pastorinha consta um bonito poema da autoria de Jorge Verde, irmão do conceituado Cesáreo Verde, dedicado a esta figura que merece o carinho desta população;
Há na Terra uma Pastora
Que está sempre olhando o mar,
Não é morena nem loira
E é branca como o luar.
Chamamos linda a pastora
Que os dias passa a cismar
Numa encosta encantadora
Que de longe olha p' ra o mar.
Determinados autores apontam, contudo, designações como Ninha Pastora e Linda Pastora, que poderão estar na base do termo Linda - a - Pastora, podendo aqueles referirem-se à proximidade do Ryo Ninha (século XIV), sendo que o termo "ninha", de origem céltica, se encontra associado aos "lugares altos ou na sua vizinhança".
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