EM 2000 começou o terceiro milénio?
O terceiro milénio teve início, oficialmente, no dia 1.º de janeiro de 2001. Mas até lá muito houve que celebrar : o ano 2000 por ser o último de um período de mil anos estabelecido pelo sistema de contagem de Dionísio Exiguus no século VI. Dionísio formulou o seu método antes da adopção do conceito do número zero - definiu, portanto, que o nascimento de Jesus ocorrera no ano 1. A partir daí, estabeleceu-se que um século só termina ao fim do 100.º ano.
Apesar da evidência histórica de que Jesus provavelmente tenha nascido quatro ou cinco anos antes do ano 1 d.C., o Vaticano, em Roma, respeita o jubileu do ano 2000. Algumas seitas cristãs milenares estão antecipando o retorno triunfal de Jesus e a batalha final entre o Bem e o Mal, como os seus tementes predecessores o fizeram quando o calendário mudou de 999 para 1000. Tudo em virtude do tempo e do modo aleatório como às vezes o medimos.
Eis uma definição ampla de tempo, extraída do Oxford English Dictionary: " Uma extensão finita de uma existência contínua". O lapso de tempo correspondente à expectativa média de vida entre as mulheres (79 anos), por exemplo, ou do mosquito Anopheles (de 7 a 10 dias). "Uma das primeiras coisas de que tomamos consciência quando nos tornamos conscientes é da passagem do tempo", diz David Ewing Duncan, autor de um livro sobre a evolução dos calendários. "A razão é simples: nascemos e depois morremos, somos seres lineares." E cedo incorporamos a consciência do tempo na nossa vida e na nossa cultura. O nosso linguajar quotidiano está cheio disto: tempo de vida, bons tempos, maus tempos, há muito tempo que não o vejo, o tempo trabalha a nosso favor, parece que foi ontem ."O tempo está presente em toda a infra-estrutura da sociedade", diz o astrónomo Dennis McCarthy, director de Tempo do Observatório Naval dos Estados Unidos, em Washington. Essa instituição, criada em 1830 para auxiliar a navegação marítima, determinou o tempo ao medir a lenta rotação de nosso planeta. Contudo, o movimento de rotação da Terra não é exacto; uma tempestade sobre o Pacífico, investindo contra as Montanhas Rochosas, por exemplo, pode literalmente reduzir a velocidade do planeta. Hoje, os 70 relógios instalados nesse observatório medem muito mais rigorosamente a passagem dos segundos por meio da ressonância de átomos do metal césio. O estabelecimento da média dos tempos de 30 dos mais precisos desses relógios atómicos serviu para criar um padrão com a precisão de um décimo de um bilionésimo de segundo por dia (mais ou menos). O produto resultante - tempo - é "distribuído" via satélite, telefone e Internet a outros cronometristas, cientistas, navegadores, empresas de comunicação e gente que simplesmente quer saber que horas são. A exemplo dos técnicos do Observatório Naval, o restante das pessoas mede o tempo invisível e confere a essas medidas um real significado.
O modo como dimensionamos o tempo depende de onde nos encontramos no universo. A maioria dos historiadores e astrónomos afirma que apenas na Terra os anos 2000 e 2001 têm um significado intrínseco. "A compreensão que temos de um dia ou de um ano é muito localizada", diz a astrónoma Susan Trammell, da Universidade da Carolina do Norte. "A duração de um dia é o tempo que a Terra leva para girar uma vez sobre seu próprio eixo. Mesmo no nosso sistema solar, essa é uma medida relativa."
Desse modo, tempo e milénios significam o que nós resolvemos que signifiquem. Bem antes do alvoroço do ano 2000, antes que qualquer um soubesse o que o tempo queria dizer, os homens primitivos começaram a ver ordem nos movimentos da Lua, do Sol e das estrelas. Resolveram que poderiam calcular o tempo. Trinta milénios atrás, o homem de Cro-Magnon, numa região que hoje é a Dordogne, na França, verificou a regularidade das fases da Lua e anotou - as num osso que resistiu até aos nossos dias. Era uma das primeiras tentativas de montar um calendário. Era mais do que simplesmente um truque inteligente. Vidas dependiam dele.
Os egípcios, há 6 mil anos, foram os primeiros a imaginar algo parecido com os calendários atuais. Os camponeses que viviam nas margens do Rio Nilo deram conta de que esse vital curso d'água inundava a intervalos previsíveis. Essa observação, diz Duncan, transformou-se num dos mais comuns e antigos calendários solares, permitindo aos agricultores planear, plantar e colher nos intervalos entre as cheias.
O sistema de plantio media o ano solar. Calculava os ciclos de arrefecimento planetário (a neve caindo das montanhas nas nascentes dos rios) e de aquecimento (a neve derretendo e inundando o Nilo) à medida que o eixo da Terra se inclinava na sua órbita ao redor do Sol. Logo depois, astrónomos egípcios calcularam a duração de uma órbita - o que nós agora denominamos "ano" - em 365 dias e seis horas, somente 11 minutos e 12 segundos mais do que o padrão actual. "Toda a cultura, não importa quão sofisticada seja, tem alguma forma de marcar a passagem do tempo", afirma Duncan.