A pedagogia da fé
A transmissão da fé não se faz só com palavras mas exige um relacionamento com Deus através da oração e da própria fé em acção. E nesta educação para a oração é crucial a liturgia, com o seu papel pedagógico, no qual o sujeito que educa é o próprio Deus e o verdadeiro mestre da oração é o Espírito Santo.
A Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos dedicada à catequese tinha reconhecido como dom do Espírito – para além do florescimento, em número e dedicação, dos catequistas – a maturidade registada nos métodos que a Igreja soube desenvolver para implementar a transmissão da fé e permitir aos homens viver o encontro com Cristo5. São métodos de experiência que envolvem a pessoa humana. Métodos plurais, que activam de modo diferenciado as faculdades do indivíduo, a sua inserção num grupo social, as suas atitudes, as suas dúvidas e procuras. Esses métodos assumem como próprio instrumento a inculturação5. Para evitar o risco de dispersão e de confusão inerente a uma situação assim tão diversificada e em constante evolução, o Papa João Paulo II recolheu por aquela ocasião um exemplo dos Padres sinodais e fez dele uma regra: a pluralidade dos métodos na catequese pode ser um sinal de vitalidade e de genialidade, se cada um destes métodos souber interiorizar e fazer sua uma lei fundamental que é aquela da dupla fidelidade, a Deus e ao homem, numa mesma atitude de amor5.
Ao mesmo tempo, o Sínodo sobre a catequese tinha como grande preocupação o de não perder os benefícios e os valores recebidos de um passado marcado pela preocupação de garantir uma transmissão sistemática da fé, integral, orgânica e hierárquica5. Por esse motivo, o Sínodo relançou dois instrumentos fundamentais para a transmissão da fé: a catequese e o catecumenado. Graças a eles, a Igreja transmite a fé de forma activa, semeando-a nos corações dos catecúmenos e dos que frequentam a catequese para fecundar as suas experiências mais profundas. A profissão de fé recebida pela Igreja (traditio), germinando e crescendo durante o processo catequético, é restituída (redditio), enriquecida, com os valores das diferentes culturas. O catecumenado transforma-se, assim, num importante centro de incremento da catolicidade e fermento de renovação eclesial.5
A revitalização destes dois instrumentos – o catecumenado e a catequese – destinava-se a incorporar aquela que foi designada como “pedagogia da fé”.5 A este termo é confiada a função de ampliar o conceito de catequese, estendendo-o àquele de transmissão da fé. A partir do Sínodo sobre a catequese, esta não é outra coisa que o processo de transmissão do Evangelho, assim como a comunidade cristã o recebeu, o compreende, o celebra, o vive e o comunica5. «A catequese de iniciação, sendo orgânica e sistemática, não se reduz ao meramente circunstancial ou ocasional; sendo formação para a vida cristã, supera – incluindo-o – o mero ensino; e sendo essencial, visa àquilo que é«comum» para o cristão, sem entrar em questões disputadas, nem transformar-se em pesquisa teológica. Enfim, sendo iniciação, incorpora na comunidade que vive, celebra e testemunha a fé. Realiza, portanto, ao mesmo tempo, tarefas de iniciação, de educação e de instrução. Esta riqueza, inerente ao Catecumenado dos adultos não batizados, deve inspirar as demais formas de catequese»5.
O catecumenado é entregue a nós, então, como o modelo que a Igreja recentemente assumiu para moldar os seus processos de transmissão da fé. Relançado pelo Concílio Vaticano II5, o catecumenado foi integrado em tantos projectos de reorganização e revitalização da catequese, como modelo paradigmático de estruturação desta tarefa de evangelização. Assim, o Directório Geral para a Catequese sintetiza esses elementos básicos, sugerindo as razões pelas quais tantas Igrejas locais se inspiraram neste paradigma para reorganizar as suas práticas de anúncio e de preparação para a fé, dando mesmo origem a um novo modelo, o «catecumenado pós baptismal»6, que recorda constantemente à Igreja a missão da iniciação à fé. Chama à responsabilidade toda a comunidade cristã. Coloca no centro de todo o percurso o mistério da Páscoa de Cristo. Faz da inculturação o princípio do próprio funcionamento pedagógico; é concebido como um verdadeiro e real processo formativo6.
- As Igrejas locais como agentes da transmissão
O sujeito da transmissão da féétoda a Igreja e manifesta-se nas Igrejas locais. O anúncio, a transmissão e a experiência viva do Evangelho realizam-se nelas. Mas não apenas isso; as próprias Igrejas locais, além de sujeitos, são também o resultado dessa acção de anúncio do Evangelho e da transmissão da fé, como nos recorda a experiência das primeiras comunidades cristãs (cf. Act. 2, 42-47): o Espírito reúne os crentes em torno das comunidades que vivem fervorosamente a sua fé, alimentando-se da escuta da palavra dos Apóstolos e da Eucaristia, gastando as suas vidas na proclamação do Reino de Deus. O Concílio Vaticano II fixa essa descrição como fundamento da identidade de cada comunidade cristã, quando afirma que «esta Igreja de Cristo estáverdadeiramente presente em todas as legítimas comunidades locais de fiéis, as quais aderindo aos seus pastores, são elas mesmas chamadas igrejas no Novo Testamento. Pois elas são, no local em que se encontram, o novo Povo chamado por Deus, no Espírito Santo e com plena segurança (cf. 1 Tess. 1, 5). Nelas se congregam os fiéis pela pregação do Evangelho de Cristo e se celebra o mistério da Ceia do Senhor “para que o corpo da inteira fraternidade seja unido por meio da carne e sangue do Senhor”».6
A vida concreta das nossas Igrejas têm tido a sorte de ver, no campo da transmissão da fé e, mais geralmente, no campo do anúncio, uma realização concreta e, muitas vezes, exemplar desta afirmação do Concílio. O número de cristãos que nas últimas décadas se entregou de modo espontâneo e gratuito ao anúncio e à transmissão da fééverdadeiramente notável e marcou a vida das nossas Igrejas locais como um verdadeiro dom do Espírito dado às nossas comunidades cristãs. As acções pastorais relacionadas com a transmissão da fétornaram-se um lugar que permitiu à Igreja estruturar-se em diferentes contextos sociais locais demonstrando a riqueza e a variedade dos cargos e dos ministérios que a compõem e que animam a vida do dia a dia. Em redor do Bispo assistiu-se ao florescimento do papel dos padres, dos pais, dos religiosos, dos catequistas, das comunidades, cada um com a sua própria missão e a sua própria competência6.
Junto a estes dons e aspectos positivos é preciso, no entanto, registar os desafios que a novidade da situação e as mudanças que o caracterizam colocam a várias Igrejas locais: a escassez da presença numérica dos presbíteros torna o resultado das suas acções menos eficaz do que se gostaria; o cansaço e o desgaste vivido por tantas famílias enfraquece o papel dos pais; o nível demasiado débil de partilha torna a influência da comunidade cristãevanescente. O risco éque o peso de uma acção assim tão importante e fundamental recaia apenas nos catequistas, játão sobrecarregados pelo peso do trabalho que lhes foi confiado e pela solidão com que se entregam a ele.
Como já foi mencionado no primeiro ponto, o clima cultural e a situação de cansaço em que se encontram várias comunidades cristãs corre o risco de enfraquecer a capacidade de anúncio, de transmissão e de educação para a fédas nossas Igrejas locais. A pergunta do apóstolo Paulo – «como acreditarão [...] se ninguém o anuncia? »(Rm. 10, 14) – soa aos nossos ouvidos hoje como muito real. Em tal situação, devem ser reconhecidos como um dom do Espírito a frescura e a energia que a presença dos grupos e movimentos conseguiram incutir na tarefa de transmitir a fé. Ao mesmo tempo, somos chamados a trabalhar para que estes frutos possam contagiar e comunicar o seu entusiasmo àquelas formas de catequese e de transmissão da fé que perderam o ardor inicial.