A morte lenta
Portugal tem um sistema político doente, fechado sobre si mesmo e à sociedade, autista
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Parece que Portugal está em morte lenta e que o orçamento é a sua declaração de óbito. Mas, ao contrário do que por aí se diz, o putativo cadáver não tem um problema económico irresolúvel. As espantosas quantidades e coincidência dos diagnósticos (e consequentes indicações terapêuticas) que vão surgindo de quase todos os quadrantes ideológicos são a prova disso mesmo. A reforma da administração pública, o abandono da política de grandes investimentos improdutivos e absolutamente supérfluos, a alienação ou encerramento de empresas estatais inviáveis, a reforma da legislação laboral não são, convenhamos, remédios novos nem sequer originais. São apenas algumas das várias medidas de bom senso a que a esmagadora maioria dos economistas portugueses seria capaz de prestar o seu entusiástico apoio. Não é pois de escassez de diagnósticos ou de remédios de que morrerá o paciente. Observemos então o problema de outra perspectiva. É um anátema, bem sei, comparar os problemas económicos do País aos das empresas. Mas quando nos questionamos sobre a capacidade dos portugueses para implementar, na prática, as reformas económicas de que o País desesperadamente precisa, é interessante perceber que, felizmente, esta capacidade existe no tecido empresarial privado do País. Se é certo que boa parte das grandes empresas do regime vive à sombra tutelar do Estado e espera encontrar neste a resposta para todos os seus problemas, não são poucas as pequenas e médias empresas que dependem, para escapar a mortes bem mais rápidas do que a que se anuncia para a República, exclusivamente de si mesmas, da capacidade dos seus empresários e gestores para tomar medidas difíceis e da dos seus trabalhadores para aceitar sacrifícios. E se durante o ano horribillis de 2009 muitas ficaram pelo caminho, outras tantas deram provas de uma resiliência e de uma coragem que muita falta faria noutras paragens. O que falta então a Portugal para que escape à sua anunciada "morte lenta"? É, bem sei, um cliché repetido vezes de mais. Mas não deixa por isso de ser verdade. Portugal não tem um problema económico insolúvel. O País não tem escassez de diagnósticos nem de remédios. Portugal não tem, sequer, falta de quem os possa aplicar com eficácia e coragem. Mas Portugal tem, isso sim, um problema político sério. Portugal tem um sistema político doente, fechado sobre si mesmo e à sociedade, autista. Portugal tem uma democracia débil e refém de máquinas partidárias que sacrificam qualquer tentativa de regeneração ou de mudança do status quo à desesperada ânsia de auto preservação da sua imensa mediocridade. Portugal tem, por via dessa sufocante pulsão uniformizadora da sua partidocracia, uma total incapacidade de atrair ou de gerar elites e lideranças políticas com verdadeira vontade e capacidade reformista. E sem lideranças, ça va sans dire, não há atracção dos melhores, não há mobilização de energias, não há capacidade de passar dos diagnósticos à acção. Se alguma coisa nos condenar à morte lenta não será a economia. Será a política. E é bom não esquecer que se o inferno são os outros, a política somos nós. |