A MENTIRA
A mentira tornou-se prática comum
O Tenente-General está farto.
Nós também
29 Agosto 2014, 10:03 por Baptista Bastos | b.bastos@netcabo.pt
A mentira tornou-se prática comum, inclusive nas mais simples relações sociais; na política, nem se fala.
Não culpemos apenas a Europa por esta desgraça que nos atinge. O sonho europeu (o que quer que a expressão queira dizer) nasceu dos escombros de uma guerra maldita, pensado por homens generosos que acreditavam na generosidade dos outros homens. Os grandes escritores e os grandes pensadores, que têm conjecturado sobre o mundo, ensinam-nos da maldade dos homens; e as guerras sem fim, as atrocidades que não acabam provam-no das razões, horrorosas razões, que determinam a condição humana. Há uma maldade intrínseca em nós, e quando essa maldade é sustentada pela ganância e por um sistema que a estrutura pretende justificar, a extensão do mal torna-se pavorosa.
Os nomes dessa maldade estão aí: Gaza, Iraque, Afeganistão; mas também o preconceito, a fome, a ignorância em que as religiões, todas as religiões se apoiam; as hegemonias, tudo o que de pior há por aí, aí está. Claro que os oportunistas políticos, os incapazes que seguem, como as rémoras, as ideologias salvíficas, fazem grupo; porém, o infortúnio não será para sempre.
A tragédia que assolou a sociedade portuguesa tem culpados e responsáveis, primeiros entre os quais, nós próprios. Os que mandam treparam ao poder devido à nossa inércia e à alucinante incapacidade de os escorraçar. Os protestos chovem de todo o lado, transversalmente, e vamos ficando cada vez mais pobres, em alguns casos esmoleres sem energia nem dignidade. A mentira tornou-se prática comum, inclusive nas mais simples relações sociais; na política, nem se fala. A moleza ética parece fazer parte integrante de uma idiossincrasia até agora pouco conhecida. A palavra de honra e o aperto de mão correspondente faziam parte dos nossos padrões de vida. Ainda se encontram na província, de onde regressei há dias, um pouco recauchutado desta lástima.
Anteontem, o Diário de Notícias publicou um artigo notável por contundente e contundente pelo desabafo moral que contém, assinado pelo tenente-general Mário Cabrita, reformado, o qual, associado a centenas que se publicam, resulta numa grave advertência e num protesto superior.
Escreve Mário Cabrita:
"Estou farto de políticos mentirosos que na oposição prometem tudo e que no Governo nada fazem.
Estou farto de políticos despudorados que concorrem a eleições com um programa e que, quando eleitos, o rasgam sem ponta de vergonha.
Estou farto de políticos autistas que não percebem que a elevada abstenção representa um não ao actual sistema político.
Estou farto de políticos malabaristas que jogam com números já hoje duvidosos e amanhã falsos, tentando fazer de nós estúpidos e ineptos.
Estou farto da promiscuidade entre políticos e poderes financeiro e empresarial.
Estou farto de ministros que são nomeados e depois se volatilizam, tal como o dinheiro dos contribuintes que o Estado coloca nos bancos falidos.
Estou farto de pagar mais impostos, ver a pensão reduzida e a dívida a aumentar.
Estou farto de ouvir dizer que o problema são os juros da dívida e não ver coragem para negociar a sua reestruturação.
Estou farto de banqueiros e de presidentes de empresas com prejuízo receberem milhões de indemnização e receberem para si reformas obscenas.
Estou farto de bancos e empresas com conselhos de administração de 20 membros a ganharem quantias exorbitantes.
Estou farto de uma A.R. cujos deputados passam parte do tempo a trabalhar para empresas privadas.
Estou farto das juventudes partidárias que só produzem políticos incultos, arrogantes e inexperientes".
É o documento impressionante que não pode deixar de ser lido e ouvido por quem tem responsabilidades gerais: os governantes, os comentaristas não estipendiados, os jornalistas honrados, os escritores que ainda não emudeceram. Por todos nós. O tenente-general Mário Cabrita fala por todos nós. E o seu documento possui, além do valor do protesto imediato, a consistência que transforma as palavras num requisitório humano e histórico.
b.bastos@netcabo.pt