a democracia liberal
"A democracia está em perigo na Europa?", por Henrique Burnay
Quando um país entra em crise profunda (e tem de pedir socorro internacional), nada mais normal do que o governo em funções perder o poder. Perdendo na rua primeiro e nas urnas depois. Se esse é o resultado de eleições previstas ou antecipadas por falta de condições para manter o poder, é quase irrelevante. O que é natural, e saudável, é que o povo condene quem exerce o poder no momento em que a crise é identificada. Democracia é escolha e sanção. Mesmo que possa ser relativamente injusto, porque é óbvio que não é apenas um governo o responsável pelo estado a que o país chegou. Daí que a queda de Brian Cowen, na Irlanda; Sócrates, em Portugal; Zapatero, em Espanha e Berlusconi, em Itália, façam todo o sentido.
Substancialmente diferente é o que se passa na Grécia. Quando o governo grego de Papandreou entrou em funções (em Outubro de 2009) a crise económica e social já era manifesta, e embora ainda não houvesse troika em cena, a sua chamada dificilmente lhe seria imputada. O ex-primeiro-ministro grego caiu por outra razão: porque o governo que levou a cabo as medidas de austeridade e negociou um acordo com a UE que representa a - necessária - ocupação da Grécia pelos credores, perdeu o curto apoio político que tinha. Na rua, como se via na praça Sintagma que nos últimos tempos mais parecia a praça Tahir; e, não sabemos mas podemos desconfiar, nos quartéistambém. Quando o primeiro-ministro grego anunciou o referendo que não se realizou, talvez não tenha sido meramente caprichoso, instável ou não fiável. Tendo em conta a demissão das chefias militares e o ambiente na rua, é muito possível que as instituições democráticas tenham estado em perigo na Grécia. Isto quer dizer duas coisas: que, para lá dos acordos internacionais e da razão, há uma massa que reage à austeridade de forma não necessariamente racional e responsável, mas nem por isso menos importante de ter em conta. E que a História não acabou.
A Europa tem vivido convencida de que os factores de conflito interno estão terminados, de que a Democracia Liberal triunfou e que não haverá mais guerra no Continente, nem regimes não democráticos. Uma ilusão perigosa.