A CORRUPÇÃO VIRAL
José Morgado: Uma entrevista abrangente a não perder. A corrupção viral.
M.J.Morgado garante que tudo serve de desculpa |
Maria José Morgado
Do que falámos?
Dos mecanismos da corrupção, “velha como o mundo”.
De Portugal ser “o campeão das Parcerias Público Privadas”. O que há nelas?, corrupção ou esbanjamento de dinheiro públicos?
Do “país de funcionários públicos” que somos, onde o dinheiro do Estado, o empregador, o animal perigoso, foi tratado “como se não fosse nosso”.
De obras públicas. “ Em Portugal têm uma regra: as derrapagens”.
De coisas absurdas. “O bater das asas de uma borboleta no tribunal pode provocar um atraso de 15 anos num processo. A simples falta de um toner pode provocar uma prisão preventiva.”
De a justiça ser o bombo da festa, de se assistir a uma tabloidização da justiça.(...)
Maria José Morgado foi considerada a mulher mais poderosa do país. É responsável pelo DIAP.
Como é que isto se endireitava?
Essa é a pergunta pior de todas, porque não há um único remédio. Não há um elixir. Lugar comum: precisamos de um país empreendedor, de gente com garra, capaz de emergir do choradinho e do fatalismo. Temos de reconhecer que há dois países. O que vive sob a capa da protecção do Estado, que nunca quis fazer nada, e o país da luta, da inovação. Se esse país emergente conseguir rasgar caminho e impor-se sobre o país da lamúria, algum dia nos endireitaremos. Mas não vai ser tão cedo, há um caminho longo a percorrer.
Quando lemos textos antigos, de romancistas a historiadores, percebemos que isto que vivemos parece inscrito no ADN colectivo. Esta propensão para o fado, para o queixume, este estar à beira do precipício.
É ler o Portugal Contemporâneo do Oliveira Martins – está lá tudo. A dependência das famílias do Estado. Toda a gente querer arranjar emprego no Estado para ter segurança. Ninguém querer arriscar. Não haver empreendedorismo.
Porque é que lidamos mal com o risco?
Não gosto de falar sobre o país. É um tipo de retórica que não me pertence. Gosto de perceber o país naquilo que diz respeito à minha profissão. Pegando na sua pergunta, vou dar-lhe uma resposta de historiadora, que não sou: nunca fizemos a Revolução Industrial. Nunca tivemos um desenvolvimento tecnológico e industrial que desse força ao mercado. Como o mercado não tem força, a sociedade e as empresas habituaram-se a depender excessivamente do Estado.
O Estado [converteu-se] num empregador. Temos um país de funcionários públicos.
Essa é a verdadeira tragédia portuguesa. Agora que não há dinheiro, e chegou o FMI, e não tomámos mais cedo as medidas que o FMI nos obriga a tomar…
Mais cedo, quando?
Devíamos tê-las tomado voluntariamente, proactivamente, antecipadamente. Pelo menos dois ou três anos antes. Agora que a receita chega, percebe-se que o nosso problema é esse. Não há livre concorrência. Não há um culto do mérito. Da ética. Mesmo a ética na governação.
A confiança dos políticos está nas ruas da amargura.
Foi preciso chegarmos a uma situação dramática, como a actual, para se começar a sentir a necessidade de um discurso da ética. Isto tudo foi enfraquecendo o país, enfraquecendo a vontade das pessoas, enfraquecendo a massa crítica. Funciona como um mecanismo corrosivo, a puxar-nos para trás. É como se tivéssemos umas argolas de ferro que não nos deixam avançar.
Estava a ouvi-la e a pensar que essa podia também ser a descrição para o fenómeno da corrupção.
A corrupção é uma faceta de um país pobre. A corrupção que vem da pobreza produz ainda mais pobreza. Amortece os mecanismos da livre concorrência, ou apaga-os completamente. Apaga o mérito. Apaga a capacidade de correr riscos. Cria dependência. Voltamos ao mesmo: ao Estado. O Estado como sector gigantesco – um animal perigoso, como já alguém lhe chamou.
Um exemplo dessa dependência.
Não se pode fazer nada, não se pode abrir um negócio, sem a assinatura de alguém na administração pública.