OS MATARRUANOS
A LÍNGUAGEM É DO POVO
Após o Ministério da Educação recomendar, através do Programa Nacional do Livro Didáctico para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a publicação e distribuição do livro “Por uma vida melhor”, da colecção Viver, Aprender (editora Global), da professora Heloísa Ramos, defendendo a validade do falar coloquial, com erros de pronúncia, em desacordo com a chamada norma culta, o mundo pareceu que ia desmoronar.
É que os defensores da língua, aqueles mesmos que não sabem nem um terço das exigências linguísticas para se falar ou escrever correctamente, aparecem na média afirmando que é inadmissível ensinar a alunos falar e escrever de modo que não seja culto. Já a autora e o Ministério da Educação defendem o livro com o argumento de que reconhecem as variedades da língua portuguesa e a linguagem dos diversos grupos sociais.
Os doutores da língua, os cultores e impregnados estudiosos que agora são académicos em demasia, esquecem que o povo não tem culpa de eles terem complicado excessivamente o estudo e aprendizagem da língua. Bem antes disso, há mais de um ano, eu já havia publicado um texto intitulado.
“Fale assim mesmo!”,
Onde defendo o falar, ainda que eivado de erros, do povo. Eis parte do que escrevi à época:
“Já imaginaram quantas palavras deixaram de ser ditas simplesmente porque quem deveria pronunciá-las não o fez por medo ou vergonha? Já pensaram quantas mensagens ficaram somente no vão das ideias porque não foram expressadas? Quantas e quantas palavras únicas, frases ou enunciados maiores não saíram da boca porque esta, temendo falar errado, não disse o que deveria?
Até hoje não me conformo com essa frescura de dizer que esta ou aquela pessoa fala errado, não sabe falar direito, tem falta de cultura, não abre a boca para não tropeçar no português. Linguisticamente falando, não há nada mais preconceituoso do que isso.
Preconceitos porque, ao justificar através das normas cultas da língua, nada mais fazem do que esquecer que as palavras, a linguagem e o que se tem como culto na língua nasceram precisamente de palavras despidas de qualquer cobrança relativas a ela; nasceram daquilo que o primitivo dizia e o outro entendia, sem ser bonita ou nada, certa ou errada, mas apenas palavra; nasceram da necessidade dos povos em se expressar e não do convencionalismo para se expressar de determinado modo, porque assim seria mais bonito e sinal de inteligência. Foi a gramática que promoveu essa discriminação toda, e que até hoje tenta erroneamente balizar o que seja um falante inteligente, menos inteligente ou burro, na mais pura expressão do termo.
Nota do Blogue
Retirar da nossa escrita ou fala, palavras como “matarruano”, “maltrapilho”chafurdar" etc. É não dar expressão correcta, a determinados tipos de pessoas. Os exemplos multiplicam-se, senão, como poderíamos escrever esta frase:
“ Ao meu lado, um matarruano comenta com o dono da tasca; Tanto dinheiro e não lhe valeu de nada. Riem ambos. E ambos “chafurdam” no ressentimento de hostilidade aos empresários.”