“A falácia do aumento da dívida pública
Posted on Fevereiro 3, 2014 by Carlos Guimarães Pinto
Uma das 3 pessoas que faz o sacrifício de ouvir o comentário de Sócrates aos Domingos na RTP, tratou de informar as redes sociais que o antigo primeiro-ministro se queixou ontem do aumento da dívida pública nos anos do governo PSD-CDS.
A tendência desde o último ano completo de governação de Sócrates é de facto assustadora: subiu 53 mil milhões de euros, qualquer coisa como 35% do PIB em apenas 3 anos. Excecionalmente, Sócrates diz a verdade. Se quisesse levar a retórica mais longe, até poderia dizer que se acumulou tanta dívida pública desde que ele deixou o governo como no total dos seus mandatos.
Claro que é de esperar que a dívida suba enquanto existirem défices públicos. Comentadores como José Sócrates que defendem metas mais flexíveis para o défice dificilmente se poderão queixar que a dívida pública aumenta. Não podem defender ao mesmo tempo que haja défices mais altos e depois criticar que a dívida pública resultante desses défices aumente. A dívida pública é isso mesmo: o resultado da acumulação de défices.
FONTES CREDÍVEIS
Fonte: Pordata, Banco de Portugal
A relação efetivamente mantém-se. Na maior parte dos anos a dívida pública aumenta no mesmo montante do défice público com umas pequenas diferenças, os chamados ajustamentos défice-dívida. Estes ajustamentos são quase sempre bastante pequenos, mas há uma notável exceção: os anos imediatamente a seguir à saída de Sócrates. Nesses anos, a dívida pública aumentou bastante mais do que o défice das contas pública levaria a pensar. Isto deveu-se a 3 fatores:
- O salvamento dos bancos, algo que qualquer governo no atual panorama partidário teria feito. A alternativa a esta medida seria os depositantes de alguns bancos menos sólidos (BCP, BANIF,…) terem ficado sem parte dos seus depósitos, como em Chipre.
- A variação nas reservas de segurança do estado. Parte da dívida contraída refere-se a um aumento de reservas do Estado, ou seja dinheiro não alocado a despesa que fica em depósitos garantindo uma almofada caso falhe crédito. Foi esta a almofada que faltou em Maio de 2011 e que empurrou Sócrates para o pedido de ajuda antes das eleições, sob o risco de o país falhar o pagamento de salários e pensões nos meses seguintes.
- Finalmente,o pagamento das dívidas a fornecedores. Como a dívida a fornecedores não entra para os cálculo de dívida pública, uma forma fácil de um governo esconder a dívida pública é faltando ou atrasando o pagamento aos seus fornecedores.
- Esta dívida era bastante elevada quando Sócrates deixou o governo, particularmente na saúde. O pagamento dessa dívida pelo atual governo também contribuiu para um aumento da dívida pública.
Ou seja, grande parte da dívida pública foi para salvar um sistema bancário deixado de rastos pelas políticas económicas, para repor as reservas de dinheiro que o governo Sócrates deletou até não haver suficiente para pagar salários e reformas, e para pagar os calotes deixados por esse mesmo governo, nomeadamente no sector da saúde.
Podemos ainda apontar o facto de que mesmo uma parte do défice atual se deve aos pagamentos das PPPs assinadas por Sócrates, outra forma de disfarçar dívida e défices passados. Antes das PPPs, um governo que construísse uma autoestrada teria que contar com essa despesa no orçamento do ano em que a autoestrada fosse construída, aumentando o défice. Utilizando uma PPP, um governo pode construir uma autoestrada sem qualquer impacto no défice, empurrando esse custo e respectivos juros para os governos seguintes.
Sócrates tem razão quando diz que a dívida subiu bastante imediatamente após a sua saída do governo. Mas não deve esquecer que esta é, maioritariamente, a sua dívida. A dívida que Sócrates escondeu através das PPPs, dos calotes a fornecedores, do esvaziamento das reservas de segurança do estado que quase deixou o país sem capacidade de pagar salários e pensões, e do caos em que as políticas do seu governo deixaram o sistema bancário.