AS TASCAS ALFACINHAS
Não há bairro que as não tenha. Airosas ou atabalhoadas, as tascas são a segunda casa do genuíno alfacinha. A boa vida das gentes. A comida é boa e simples Os proprietários são muito simpáticos, embora, tudo se processe com alguma lentidão.
Aqui na capital, onde cada vez se come pior, se é mais enganado e desarmado perante a coragem para tanta trapalhice culinária, é difícil encontrar casas que vivam mais pela vocação e menos para o negócio. Falo dos restaurantes vulgares que proliferam por toda a Lisboa, exímios no croquete que sabe a tudo menos a carne, que se nos cola à dentadura, embrulha na goela, e não há meio de ir para baixo, se não ao empurrão de qualquer coisa líquida de paladar acentuado... É uma bofetada que, caramba, não merece quem vem, de boa vontade, com fastio ou apetite, comer. É o come e cala. O paga e siga, andor, há mais quem queira. Amanhã torna a vir, e tudo se repete com o rissol de camarão, em massa grossa como parede mestra, recheio minado a caules de salsa e cascas do bicho, enchumbado em óleo, e é se quer... “Olhe que é fresquinho.” O “fresquinho” mata qualquer um, cala o atrevido, embrulha o esquisito e regala as donzelas.
Falando nelas, antigamente, Deus as livrasse de entrarem nas tabernas que ganhavam famas. A tasca estava para os homens como o lugar para as mulheres. E que faziam afinal estes homens que não queriam lá as suas damas? Jogavam, gastavam o sustento, bebiam até cair, nas alegrias, nas tristezas, nas horas mortas, nas horas vagas, sem ninguém a atazanar. E conseguiam fazer exatamente o mesmo que elas, penduradas às janelas. Teciam a vida alheia, mandavam brasa, opinião, levantavam falsos testemunhos, arranjavam confusão, intrigalhada da pior. Com muito saber, muita categoria, sim, que dali nada saía. Era a diferença. Ouviam em casa para contar nesse “escritório”. Ouviam no “escritório” para satisfazer o túmulo, o poço sem fundo de homens que eram, com letra grande, aquele H que jamais suscita engano, nem ao mais ignorante magano.
Hoje, gosta-se da tasquinha. De uma tasquinha asseada. Gabarolas na ementa, no jarro de tinto, na factura generosa. É tudo bom. Tasca que é tasca deve ter comida simples mas apurada, vinho avulso de uma qualquer região, pão de lenha, sem manteiga, e azeitona, que tanto calha de ser verde como preta. Quem manda na tasca é a tasca. É o dono, é a mulher do dono, é a filha, é o rapaz, anafado e velado na camisola Ronaldo, que leva a tarde a empanturrar-se e declina todo o petisco da mãe. Aqui não há patrão e as regras não se discutem, assim como os lucros, que nem dão azo a comentários, muito menos a invejas. Aqui entra de tudo, não há discriminação. Quem quer fica, quem não quer vai andando. Numa tasca o jogo é limpo. Prognósticos ou reclamações só no fim da patuscada, longe da porta ou entre dentes