Portugal tem um sistema político doente, fechado sobre si mesmo e à sociedade, autista
3:40 Quinta-feira, 4 de Fev de 2010
Parece que Portugal está em morte lenta e que o orçamento é a sua declaração de óbito. Mas, ao contrário do que por aí se diz, o putativo cadáver não tem um problema económico irresolúvel. As espantosas quantidades e coincidência dos diagnósticos (e consequentes indicações terapêuticas) que vão surgindo de quase todos os quadrantes ideológicos são a prova disso mesmo. A reforma da administração pública, o abandono da política de grandes investimentos improdutivos e absolutamente supérfluos, a alienação ou encerramento de empresas estatais inviáveis, a reforma da legislação laboral não são, convenhamos, remédios novos nem sequer originais. São apenas algumas das várias medidas de bom senso a que a esmagadora maioria dos economistas portugueses seria capaz de prestar o seu entusiástico apoio. Não é pois de escassez de diagnósticos ou de remédios de que morrerá o paciente.
Observemos então o problema de outra perspectiva. É um anátema, bem sei, comparar os problemas económicos do País aos das empresas. Mas quando nos questionamos sobre a capacidade dos portugueses para implementar, na prática, as reformas económicas de que o País desesperadamente precisa, é interessante perceber que, felizmente, esta capacidade existe no tecido empresarial privado do País. Se é certo que boa parte das grandes empresas do regime vive à sombra tutelar do Estado e espera encontrar neste a resposta para todos os seus problemas, não são poucas as pequenas e médias empresas que dependem, para escapar a mortes bem mais rápidas do que a que se anuncia para a República, exclusivamente de si mesmas, da capacidade dos seus empresários e gestores para tomar medidas difíceis e da dos seus trabalhadores para aceitar sacrifícios. E se durante o ano horribillis de 2009 muitas ficaram pelo caminho, outras tantas deram provas de uma resiliência e de uma coragem que muita falta faria noutras paragens.
O que falta então a Portugal para que escape à sua anunciada "morte lenta"? É, bem sei, um cliché repetido vezes de mais. Mas não deixa por isso de ser verdade. Portugal não tem um problema económico insolúvel. O País não tem escassez de diagnósticos nem de remédios. Portugal não tem, sequer, falta de quem os possa aplicar com eficácia e coragem. Mas Portugal tem, isso sim, um problema político sério. Portugal tem um sistema político doente, fechado sobre si mesmo e à sociedade, autista. Portugal tem uma democracia débil e refém de máquinas partidárias que sacrificam qualquer tentativa de regeneração ou de mudança do status quo à desesperada ânsia de auto preservação da sua imensa mediocridade. Portugal tem, por via dessa sufocante pulsão uniformizadora da sua partidocracia, uma total incapacidade de atrair ou de gerar elites e lideranças políticas com verdadeira vontade e capacidade reformista. E sem lideranças, ça va sans dire, não há atracção dos melhores, não há mobilização de energias, não há capacidade de passar dos diagnósticos à acção.
Se alguma coisa nos condenar à morte lenta não será a economia. Será a política. E é bom não esquecer que se o inferno são os outros, a política somos nós.
A crise política actual, sem fim e sem precedentes, sugere algumas reflexões sobre o problema da ética na política. Nenhuma profissão é mais nobre do que a política porque quem a exerce assume responsabilidades só compatíveis com grandes qualidades morais e de competência. A actividade política só se justifica se o político tiver espírito elevado e as suas acções, além de buscarem a conquista do poder, forem dirigidas para o bem público. Um bem público que poderá variar de acordo com a ideologia ou os valores de cada político, mas do qual sempre se espera que busque com prudência e coragem, o interesse geral dos cidadãos e do seu país.
A ética, na sua responsabilidade e ação, deve nortear qualquer político, pois ela levará em consideração as consequências das decisões que o político adoptar. A imoralidade quanto aos meios é aquela que resulta de os meios utilizados serem definitivamente condenáveis. A imoralidade quanto aos fins é aquela que se materializa quando falta ao político a noção do bem-público; ainda que o seu discurso possa afirmar valores, ele realmente busca apenas o seu poder ou o seu enriquecimento, ou ambos. Neste caso configura-se o político oportunista, que não tem outro critério senão quanto aos meios para o seu próprio interesse. Há certos casos, em que a imoralidade é apenas em relação aos meios, outros, apenas quanto aos fins, mas geralmente é sempre uma imoralidade tanto nos meios como nos fins, o político sempre usa de quaisquer meios para atingir os seus fins pessoais. Neste caso, temos a imoralidade absoluta, o oportunismo radical.
Quando pensamos nos principais responsáveis por uma crise moral, o que vemos é que poucos foram imorais apenas em relação aos meios, utilizando meios condenáveis como a corrupção e o suborno, mas mantendo-se fiéis aos seus valores e objetivos. A maioria porém, é constituída por políticos que traíram todos os seus compromissos e passaram a adoptar políticas económicas que, até ao dia anterior, criticavam veementemente. Não agiram de acordo com a ética da responsabilidade ou mesmo com a ética de Maquiavel, mas de acordo apenas com o seu interesse, ao se envolverem com os poderosos ou com os que pensam serem os poderosos, aqui e no exterior. O seu único objectivo era, e continua a ser, a sua permanência no poder. Alguns desses políticos acabarão por perder o poder em episódios dos mais lamentáveis da nossa história, mas continuarão a fazer campanha como se não fossem os responsáveis por nada. Mentindo sempre que isso der jeito. Esse tipo de política, porém, tem vida curta nas democracias autênticas. Todavia para o povo traduzem-se, em geral, em muitos anos de penosos sacrifícios para ele próprio!