AS FAMÍLIAS NA QUINTA
Nas noites cálidas de verão e depois do jantar, as famílias desciam até à “ beira Tejo”. Sabia bem apanhar o fresco da noite, que vinha do rio, e os mais faladores ajudavam a passar a noite. Numa dessas noites ocorreu um fenómeno que marcou quem o presenciou:
Por cima das cabeças das pessoas, a alguns metros de distância, passou uma grande bola de fogo! A cauda era muito comprida! Desviou para a esquerda e desapareceu no meio de um choupal. No dia seguinte procuraram-se vestígios daquele grande objecto luminoso mas sem qualquer êxito.
Naquele paraíso a magia era constante nas quatro estações do ano! No inverno essa magia tinha o acento tónico no medonho. A natureza engrossava a voz e punha o semblante fortemente carregado. O volume das águas do Tejo aumentava de forma assustadora, em dois ou três dias, por força das primeiras chuvadas, mais persistentes.
A torrente tornava-se forte e impetuosa e a água ganhava uma cor barrenta! Troncos de árvore eram vistos a descer o rio ao ritmo veloz da torrente. Por todo o lado as águas das chuvas descobriam atalhos e mais logo, todas desaguavam no rio, vindas de longe. De tanta água receber o caudal transbordava as margens que ladeavam o leito do rio. Nem os enormes salgueiros e a sua densa ramagem a podiam suster. Era impressionante ver a cavalgada das águas sempre em busca de cada vez mais espaço. A vida animal, sempre desconfiada, apercebia-se da avalanche e refugiava-se como podia, mais longe ou mais alto!
Rapidamente a paisagem verdejante desaparecia e ficava submersa por um extenso mar que galga muros, estradas, pomares, colinas e toda a planície a perder de vista!
Do alto do castelo a nossa vista só alcançava água. As noites caíam pouco depois das cinco e eram longas, muito longas e medonhas. O silvo do vento forte acompanhado do barulho da intensa chuva a cair, compunham uma sinfonia para a noite toda. A seguir á chuva de dias seguidos, numa bela manhã, iria aparecer um sol radioso. Mesmo assim, as águas do rio continuavam a subir até estacionarem por dois ou três dias. Havia de seguir-se o seu abaixamento, normalmente com muita lentidão, que deixava nas paredes e muros uma linha horizontal castanha que marcava a máxima altura daquela cheia.
Atingida a normalidade no rio ficava visível ao longe, uma extensão muito grande toda coberta por uma espessa camada de lama. Esse lamaçal, com o tempo, irá ficar transformado num infinito conjunto de polígonos originados pela lama que gretava ao secar. Futuras chuvadas acabarão por proceder à lavagem e transporte para o rio de grande parte deste precioso composto. O que ainda fica na terra é um óptimo fertilizante.
Com a chegada do sol abre-se um novo ciclo de vida e um aumento do frio. Instintivamente vamos buscar mais uma manta para a cama. De manhã quando se chega à janela para espreitar o dia ficamos deslumbrados. Os telhados do casario à volta estão todos brancos. Ao sair de casa a aragem matinal é fria e deixa o nariz e as orelhas gelados. A vida não pára e toda a gente anda em movimento, até os "catraios" de sacola às costas lá ia para a escola. Pelos caminhos de terra batida ou simples carreiros, sem pararem e com botas cardadas. Lá iam partindo a água gelada das poças. À noite, dentro de casa, toda a gente se aquecia à lareira. Lenha, era aquilo que não faltava.
Os trabalhadores, não residentes, deitavam-se nas camas das camaratas para se aquecerem, enquanto deixavam ao lume da cozinha, toda a noite, a roupa molhada pelos dias chuvosos. No dia seguinte era preciso levantar cedo e a roupa para vestir tinha que ser a mesma.
No final do dia, os outros trabalhadores das redondezas lá iam a pé até casa, não sem que a noite lhes caísse no caminho. Aqueles que pernoitavam no dormitório (poucos e de mais longe), também dispunham de uma cozinha geral. Uma mesa comprida e uns bancos corridos e o lume a queimar lenha. Era tudo o que tinha.