Depois de o Expresso ter publicado em três etapas a retrospetiva dos melhores debates televisivos em Portugal, agora prossegue com uma nova série: histórias de campanha. A um mês das legislativas, revisitamos as nossas memórias políticas. Este é o segundo capítulo
Quando a caravana de Mário Soares nas presidenciais de 1986 andava por terras do Algarve, a parar a cada momento, tanta era a gente que queria cumprimentar o candidato, deu-se o talvez o episódio mais caricato de todos os episódios caricatos que envolveram aquele que era na altura (e, de certo modo continua) o mais carismático dos políticos portugueses.
Estávamos, salvo erro, na segunda volta, que opunha Soares a Freitas do Amaral (na altura tido pela esquerda como quase fascista).
Chegados a Faro, logo uma pequena multidão envolve Soares. Os candidatos não têm descanso; devem por obrigação de campanha apertar a mão às velhinhas, dar beijos às criancinhas, abraços e palmadas nas costas aos homens. Mário Soares era exímio, ou não fosse ele o mais expansivo e experiente dos políticos portugueses.
Estava, pois, em Faro, ali perto do hotel Eva, rodeado de gente, as crianças à frente, numa algazarra, na disputa dos autocolantes e, quem sabe, de umas palas para o Sol, e o candidato a distribuir beijinhos aos meninos.
Tudo ia bem, até que uma dessas crianças esperneou de mais. Não era para admirar: Mário Soares preparava-se para beijar um anão, que por ali vendia lotaria.
Ao dar pelo erro, largou-o e seguiu em frente. Quase ninguém deu por isso, mas eu relatei o episódio no semanário ‘O Jornal’, o antepassado da revista ‘Visão’. Há cenas que nunca se esquecem.
Em Português, o termo significa gabar-se de talentos, capacidades e coisas diversas com grande exagero e, por vezes, com pouca verdade.
Exemplos; o desemprego “poupa”, 251 milhões de euros. Dado que o valor dos apoios caiu mais do que o previsto pelo executivo. Fala-se, evidentemente, na despesa da Segurança Social de 2016, com o subsídio de desemprego face a 2015. Estes termos de comparação, de tão repetidos, já nos são familiares; “ O governo anterior” ou “ de 2015 para 2016”.
Tudo isto, não passa de uma ideia fixa! Uma ideia fixa impregnada de politiquice. Está bem de ver, logo sem grande virtude. Pensemos assim: Os 251 milhões são bons ou maus? Logo à partida e com enorme simplicidade, é assim:
1 - Se forem Funcionários públicos é bom, pois a produtividade é a mesma e a despesa da Segurança Social é menor, portanto fica dinheiro em caixa. Se é que há segurança social na Função Pública!
2 – Se for na actividade privada já é difícil concluir com facilidade: A produtividade diminui e a despesa, quando comparada com a produtividade, pode representar tanto um ganho como uma perda! Depende por exemplo, de constituir exportação ou, simplesmente, um produto de grande oferta no mercado nacional.
Chamando para isto, o maior produto deste País, o “futebol”, criemos então a seguinte imagem:
a) Um jogador que galga o campo todo, fintando adversários para, em cima da baliza, dar a bola a um colega para este a empurrar e fazer um golo simples. De quem foi o mérito maior?
Consta que a taxa de desemprego chegou a Dezembro em 10,2% e o montante dos subsídios orçamentados desceu para 14,3% face ao ano anterior. Então, aqui aparentemente temos um ganho?
Se o montante desceu porque emigraram milhares de portugueses, estes deixaram de dar despesa em Portugal e, normalmente, poupam e mandam para Portugal as suas poupanças. Isto é óptimo. Por ser riqueza que entra e vai equilibrar a nossa balança de pagamentos.
Estas confusões são o “prato do dia” dos políticos, mais preocupados em manter o “tacho”, do que defender o “bem comum”, “e o interesse público”, etc. Para tal jogam com os números a seu belo prazer fazendo a cabeça dos votantes. A comunicação social, parece entrar neste jogo endiabrado!
Não adianta querer esconder o ou, os, responsáveis, por desastres, ofensas, prejuízos ou até descalabros nacionais. Mas muitas vezes isso acontece de uma forma chocante, a figura do bode expiatório aparece carregada ás costas de um pobre diabo, para encobrir os verdadeiros responsáveis!
Nos últimos tempos tem-se usado e abusado de uma expressão carregada de malvadez.
Referênciamos a expressão dirigida a alguém de uma forma extremamente injusta:
" A culpa é do Governo anterior"
O tema é usado com regularidade nos dias de hoje: quando, por exemplo, uma professora chama a atenção de um aluno galhofeiro por causa de algumas tropelias na sala de aula e a primeira coisa que ele responde é “não fui eu senhora professora”. Então, a culpa da bagunça recai sobre aquele estudante que geralmente é mais ingénuo ou mais discreto da turma. São, em situações como esta, que os bodes expiatórios costumam aparecer. O bode expiatório é o alvo favorito dos zombeteiros e daqueles que querem fazer alguém se submeter ao ridículo, recebendo arbitrariamente as culpas pelos erros dos outros, explica o escritor e professor Ari Riboldi no livro "O bode expiatório".
Porém, vem de muito longe o uso desta simbologia:
“Mas o bode, sobre que cair a sorte para ser bode emissário, apresentar-se-á vivo perante o Senhor, para fazer expiação com ele, a fim de enviá-lo ao deserto como bode emissário” (Lv 16.10).
No Dia da Expiação, conforme Levítico 16, um bode era sacrificado como oferecimento pelo pecado. Sobre a cabeça de outro bode, a ser enviado ao deserto, fazia-se a confissão de pecados.
“O primeiro bode era morto e o seu sangue, derramado (Lv 16.15), representava a morte substitutiva de Cristo e o derramamento do Seu sangue por nossos pecados. O sumo-sacerdote tinha então de tomar o bode emissário, confessar os pecados de Israel sobre a cabeça daquele bode, e enviá-lo para o deserto. Isso representava o efeito de levar embora, para sempre, os pecados de Israel, e simbolizava a obra de Cristo, que era levar para sempre os nossos pecados, como Isaías profetizou: “Mas o Senhor fez cair sobre Ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.6). Os vários aspectos da obra de Cristo na redenção são simbolizados pelo que os dois animais desempenhavam no Dia da Expiação, cada um com o seu papel” (Norman Geisler).
Foram precisos 35 anos para se voltar a falar de autoridade nas escolas. É uma discussão pela qual se têm batido uns poucos na esfera pública, professores como Nuno Crato, Fátima Bonifácio, Helena Matos, sociólogos como António Barreto, políticos como Paulo Portas, um ou outro psicólogo desalinhado, um ou outro colunista de jornal. Uma discussão que muitos professores travam entre si diariamente, sem cuidarem de saber se são de esquerda ou de direita, porque não desistiram da profissão e sofrem na pele os efeitos da sua própria desautorização, promovida por sucessivos governos, em nome de Pedo Ciências falhadas.
Até Maria de Lurdes Rodrigues, a ministra que parecia ter um rumo, mas que o perdeu a meio do mandato, deixou como herança um estatuto do aluno que é o oposto da imagem exigente e disciplinadora que projetava de si própria. Um estatuto que menoriza o professor e a sua autoridade, que burocratiza os procedimentos disciplinares, que premeia o absentismo na tentativa de recuperar os faltosos. Um diploma que se traduziu num retrocesso em relação a mudanças antes introduzidas pelo ministro David Justino no delirante estatuto Benavente, de 1998, o qual levou para a escola os piores defeitos da Justiça portuguesa, de tal modo a burocracia do processo e os mecanismos 'desculpabilizantes ' do prevaricador impediam a aplicação de sanções em tempo útil. Cada ação disciplinar transformou-se, como aqui se escreveu então, num calvário para o seu instrutor e para o docente ou funcionário que ousasse apresentar queixa de um estudante. David Justino deu um pequeno passo para o desmantelamento dessa 'justiça' escolar complacente, Maria de Lurdes Rodrigues deu um passo atrás. Veremos se Isabel Alçada tem a coragem de uma revolução, ou se, como é de temer, apenas ousará alguns remendos, mantendo o essencial dos vícios de que enferma a filosofia subjacente ao estatuto.
De um país que convive há 12 anos com uma lei aberrante, não se espera que reabilite em pouco tempo a escola pública que desacreditou em três décadas. Mas, agora que soou o alarme e é impossível disfarçar os danos, convinha que os partidos tomassem posição e compromissos, já que do PSD não se sabe o que pensa, o PS pensa uma coisa hoje e o seu contrário amanhã e a esquerda restante, ao invés do que sucede em muitas outras áreas da governação, aqui também tem o seu lastro de culpa, pois contribuiu para estabelecer as bases de modelo de escola pública que ainda temos. É também por isso que os sindicatos do sector se transformaram em 'forças de bloqueio' a qualquer propósito de mudança. Mais depressa convocam manifestações para manter o que está do que contribuem para mudar o que precisa de ser mudado.
Texto publicado na edição do Expresso de 2 de Abril de 2010
«O bom português deve cultivar em si o patriota, que abrange o indivíduo, o pai e o munícipe e os excede, criando um novo ser espiritual mais complexo, caracterizado por uma profunda lembrança étnica e histórica e um profundo desejo concordante, que é a repercussão sublimada no Futuro da voz secular daquela herança ou lembrança... É já grande o homem que subordina à Pátria, sem os destruir, os seus interesses individuais, familiares e municipais. Por isso, o viver como patriota não é fácil, principalmente num meio em que as almas, incolores, duvidosas da sua existência, materializadas, não atingem a vida da Pátria, rastejando cá em baixo, entretido em mesquinhas questões individuais e partidárias. Mas para Portugal continuar a ser, precisamos de elevar até ele a nossa pessoa e conhecê-lo na sua lembrança e na sua esperança, na sua alma, enfim. Não podemos amar o que ignoramos. Impõe-se, portanto, o conhecimento da alma pátria, nos seus caracteres essenciais. Por ela, devemos moldar a nossa própria, dando-lhe atividade moral e força representativa, o que será de grande alcance para a obra que empreenderemos, como patriotas, no campo social e político. O político estranho à sua Raça não saberá orientar nem satisfazer as aspirações nacionais. É preciso que ele encarne o sonho popular e lhe dê concreta realidade. Do contrário, fará obra artificial, transitória e nociva, por contrariar e mesmo comprometer o destino superior de uma Pátria. Sim: o bom português necessita de conhecer e comungar a alma pátria, a fim de se guiar por ela, no seu labor. Depois legislará, reformará ou criará literária e artisticamente uma obra duradoura e útil.» Teixeira de Pascoaes in «Arte de Ser Português», Assírio & Alvim (2007).
Portugal é o país do deixa andar, do bota-abaixo, do deixa para amanhã o que podes fazer hoje, do desenrasca, do medo e também da corrupção.
É ao mesmo tempo o Quinto Império e "os cafres da Europa" no dizer de Padre António Vieira. Os portugueses "são excessivamente sentimentais, com horror à disciplina, individualistas, talvez sem darem por isso, falhos de espírito de continuidade e de tenacidade na acção" - a descrição é de 1938 e pertence a Salazar.
Em 2011, como somos? Barry Hatton tira-nos as medidas no livro “Os Portugueses”.
"Quanto mais lá vou, mais quero lá voltar”. Somos hospitaleiros por natureza.
No que se referente ao Zé Povinho descrevem os portugueses como sendo simultaneamente "amistosos e irascíveis, deferentes e indómitos, apáticos e humildes, duros e ousados, compassivos mas irados, submissos e belicosos, sempre à espera que a sorte lhes sorria, boa companhia, conciliadores, diplomáticos, efusivos, espontâneos".
O Zé Povinho sintetiza essa personagem portuguesa, com todos esses adjectivos, numa contradição enorme.
É uma figura que tem cerca de 100 anos, é rústico e boçal. Sobretudo nesta fase pós-Europa e pós-revolução, queremos acreditar que evoluímos a partir dela.
Júlio César disse: "É um povo muito estranho, que não se governa nem se deixa governar." Hoje em dia um político diria a mesma coisa. Há muita coisa que vem de trás. Durante os Descobrimentos, os portugueses agruparam-se à volta do Estado - continua a ser assim. Adoram o Estado. É um traço amor-ódio.
Isso é uma visão catastrofista, não do que são os portugueses, mas do futuro dos portugueses. Se é assim há 600 anos, significa que não temos emenda.
Falando de uma coisa actual, da crise e do resgate financeiro: estas medidas são como um penso rápido numa perna partida, como se diz em inglês. Se Portugal quer mudar mesmo, vai ter de mudar a sua maneira de viver. Isto vai levar gerações, não vai mudar com um acordo com o FMI e Zona Euro. Situemo-nos na capacidade criativa dos portugueses e relembremos como os artífices do défice orçamental chegaram primeiro a 2,1% do PIB, para atingirem agora os 2% do PIB. Para trás ficaram investimentos orçamentais importantes por fazer, ficaram perdões fiscais, pagamentos em atraso, dívidas por receber e o mais que a Dr.ª Teodora sabe!
Mudar a maneira de viver, quer dizer implementar reformas de fundo? Dizer a verdade do estado financeiro de 2011?
Nem pouco mais ou menos. É preferível dizer que tudo estava mal por causa do “Governo Anterior”! Seremos capazes de tudo, menos de fazer reformas de fundo! Bem sabemos que das coisas que se mudam hoje, só conseguimos ver os efeitos daqui a um ou dois mandatos. A dívida externa, contínua a subir, cada vez mais! E quanto mais se paga, mais se está a dever …..
Se quiserem, vou-me embora, vou para outro país [riso].) Por outro lado, esta geração que cresceu com a União Europeia, que viaja, que tem contacto com a Internet, com os outros países, tem outras comparações para fazer (como se viu com os protestos da "geração à rasca").
As reformas de fundo poderiam ajudar a destapar os portugueses, que estão muito abafados pelas estruturas rígidas da sociedade. É um florescer que vem com o tempo, não vai ser de um dia para o outro.
Os portugueses têm imensas qualidades, embora os portugueses não acreditem isso. Como o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse no ano passado: "Só oiço dizer mal de Portugal em Portugal." Boaventura Sousa Santos, num livro sobre a autoflagelação dos portugueses, fala de uma má consciência por causa da passividade, que todos reconhecem, mas não conseguem mudar.
Raramente os portugueses dizem:
"A culpa é minha e a responsabilidade é minha."
Fernando Pessoa diz que, num grupo de cinco portugueses, o culpado é sempre o sexto.
Somos muito bons críticos de nós mesmos. Eça de Queirós é o exemplo acabado de como é possível, e de forma contundente, arrasar o portuguesinho.
Há muito pouca entrega democrática. José Gil fala da "não inscrição", de as pessoas, não participarem.
"Medo", palavra crucial.Não por acaso, do livro de José Gil em que se fala da "não-inscrição" tem por título Portugal, o Medo de Existir.
É outra coisa que vem de trás. As pessoas pensam que a democracia é só ir votar de dois em dois anos - não é nada disso. As pessoas não vêem solução através da sua participação democrática.
Medo de quê?
Medo de ser mal visto, de fazer figura de parvo. Uma pessoa levanta a voz e pensa que vai ser ridicularizada. Medo de ser castigado. Aos olhos dos portugueses, o poder está cá em cima, eles estão cá em baixo. As pessoas pensam que têm alguma influência, em nada. O medo vem de trás, da ditadura ("é melhor ficar caladinho, está mal mas ainda pode ficar pior"). Nos inquéritos de opinião os portugueses dizem sempre que a maior preocupação deles é ter emprego. Mesmo quando recebem o salário mínimo, pouco mais de 500 euros por mês. É a sua mentalidade: "Tenho pouco, mas pelo menos tenho isto."
Os portugueses conseguem, mas não acreditam que conseguem.
Temos uma baixa auto-estima. Num texto de Antero de Quental, que se refere a um período muito anterior, o diagnóstico que faz do país poderia ser feito em relação aos nossos dias.
Discurso do Declínio dos Povos Ibéricos. Antero foi buscar as raízes do problema muito lá atrás. Fala da Inquisição, do poder da Igreja Católica. Do "conservadorismo religioso instalado pela Contra-Reforma, que sufocou o pensamento inventivo nos países católicos como Portugal". Ele é muito mais eloquente que eu! Esse discurso é brilhante.
Antero fala de uma centralidade "imposta por períodos de governo absoluto, que encorajou a submissão e a resignação". Uma grossa parte dos portugueses continua a viver da relação com o Estado, submissos e resignados.
Antero aponta uma terceira razão para o declínio. "O sistema económico gerado pela era dos Descobrimentos, de intoxicante abundância, que afastou os portugueses de uma gestão financeira prudente e de um trabalho honesto."