O Caminho da Servidão
O alerta feito neste livro, pode ser razoavelmente resumido na seguinte frase de David Hume:
“Raramente se perde qualquer tipo de liberdade de uma só vez”. A perda da liberdade costuma ser gradual, e seguir uma determinada trajectória, o caminho da servidão. É disso que autor fala no livro, tentando despertar do sono a vítima em potencial dessa servidão.
Segundo ele, não é possível existir liberdade pessoal e política quando a liberdade económica é progressivamente abandonada. A transformação gradual de um sistema com uma rígida hierarquia organizada para outro onde o homem pode ao menos tentar moldar a sua própria vida, onde ele ganha a oportunidade de conhecer e escolher entre diferentes formas de vida, está bastante associada ao crescimento da economia.
Somente quando a liberdade industrial abriu o caminho para o livre uso do conhecimento, onde tudo podia ser testado, a ciência realizou os seus grandes avanços que nos últimos 200 anos mudaram o mundo. O trabalhador do ocidente passou a desfrutar de um conforto material que poucos séculos antes teria parecido impossível imaginar.
Os escritores franceses que determinaram os fundamentos do socialismo moderno não tinham dúvida de que as suas ideias poderiam ser colocadas em prática somente por um forte governo ditatorial. Ninguém melhor que Tocqueville, outro francês, notou que a democracia era uma instituição essencialmente individualista, num conflito irreconciliável com o socialismo. Ele afirmou que a democracia e o socialismo não têm nada em comum além de uma palavra: igualdade. Mas eis a diferença: “enquanto a democracia procura igualdade na liberdade, o socialismo procura igualdade nas restrições e servidão”. A demanda por uma distribuição igualitária do produto é incompatível com a demanda pela liberdade. Um socialismo alcançado e mantido por meios democráticos parece definitivamente pertencer ao mundo das utopias.
Entre os meios práticos usados pelos que pregam o fim socialista, está o planeamento central. Ele é defendido por aqueles que desejam substituir a “produção para o lucro” pela “produção para o uso”.
A competição, além de mais eficiente, é o único método pelo qual as actividades podem ser ajustadas sem intervenção coerciva ou autoritária e arbitrária.
Para Hayek, as várias formas de colectivismo, como o comunismo, socialismo ou fascismo, diferem entre elas na natureza do objectivo no qual desejam direccionar os esforços da sociedade. Mas todas elas divergem do liberalismo e individualismo em desejarem organizar toda a sociedade e todos os seus recursos para este fim, recusando-se a reconhecer as esferas autónomas nas quais os fins dos indivíduos são supremos. O crescimento da civilização tem sido acompanhado por uma diminuição da esfera na qual as acções individuais estão limitadas por regras fixas. Os liberais entendem que aos indivíduos deve ser permitido, dentro de certos limites definidos, seguirem os seus próprios valores e preferências ao invés da de outro qualquer. Hayek resume: “É este reconhecimento do indivíduo como o último juiz dos seus fins, a crença de que tanto quanto possível as suas próprias visões devem governar as suas acções, que forma a essência da posição individualista”.
Quando a democracia começa a ser dominada por um credo colectivista, ela irá autodestruir-se. Se um enorme planeamento central passa a ser demandado, o único meio possível para praticá-lo é através de uma ditadura. A coerção e o uso da força serão os métodos mais eficientes para aplicar esses ideais. A vontade arbitrária da maioria não irá respeitar as diferentes preferências individuais, e haverá demanda por um governante central capaz de obrigar as minorias dissidentes, a seguir o ideal colectivista. A concentração de poder será inevitável. “Não é a fonte, mas a limitação do poder que o previne de ser arbitrário”, diz Hayek. Por isso o império da lei é a grande distinção entre países livres e países com governos arbitrários. Por este motivo, basicamente, que a ausência de liberdade económica levará inexoravelmente ao término da liberdade pessoal e política. Quando o governo tem poderes arbitrários para decidir sobre pequenas coisas nos mínimos detalhes, como quanto deve ser produzido de certo produto, qual o preço que deve ser cobrado e quem deve ter o direito de produzir, o império da lei acaba trocado pelo poder discricionário do governante. Sem leis gerais apenas, o governo acaba podendo invadir qualquer esfera da vida individual, criando privilégios e, por conseguinte, discriminados. Os indivíduos não conseguem prever direito quais as consequências legais dos seus actos. Todos acabam reféns do Estado, tendo que cultivar uma “amizade com o rei”, já que este pode, a qualquer momento, criar uma nova regra arbitrária e prejudicar injustamente alguém. Quanto mais o Estado planeia, mais difícil fica o planeamento dos indivíduos. Daí a extrema necessidade de uma igualdade perante a lei, que deve ser objectiva. Quando o Estado assume os meios de produção, a escravidão e a miséria são o resultado. Poucos poderosos podem decidir todo o resultado da economia. Hayek então pergunta: “Quem irá negar que um mundo onde os ricos são poderosos ainda é um mundo melhor que onde somente os já poderosos podem adquirir riqueza?”. De forma simplificada, devemos fazer uma escolha entre desigualdade material, já que os indivíduos são desiguais, ou então, o caminho da servidão.